No Direito brasileiro existem diversas formas de punir os transgressores da norma. No Direito Civil, por exemplo, temos formas de expropriação de bens e restrições patrimoniais como meio de adimplemento das obrigações contratuais. No Direito Penal, temos as penas restritivas de direito, ou até as penas privativas de liberdade.
Contudo, como as punições do Direito Penal são mais agressivas, não são todas as condutas cometidas que atraem sua aplicação. Exemplo disso será tratado neste artigo, em que falaremos sobre a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela quando cometidos crimes contra a ordem tributária.
Em artigo anterior, “Dívidas tributárias e extinção da punibilidade”, falamos um pouco mais sobre quais são os crimes contra a ordem tributária, qual é o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal Tributário e como a punibilidade pode ser extinta.
Neste artigo, iremos um pouco mais a fundo na matéria tributária penal, utilizando alguns conceitos do artigo anterior, abordando e esclarecendo os conceitos quanto à aplicação do princípio da insignificância, valores e critérios fixados pelas determinações legais e judiciais. Continue a leitura e confira!
1. O que é o princípio da insignificância ou bagatela?
Como referimos, não são todas as condutas ilegais que atraem a aplicação do Direito Penal. Isso porque é garantido em nosso ordenamento a intervenção mínima do Estado em matéria penal, que deve ser utilizada para punir somente os fatos que representam danos graves à sociedade como um todo.
Muito embora o princípio da insignificância ou bagatela não tenha uma previsão expressa na Constituição, ele decorre da interpretação de princípios essenciais que orientam todas as demais regulamentações, tal como a dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, o princípio da insignificância já foi chancelado pelo Tribunais, sendo aplicado em inúmeros casos. Exemplo disso é o Habeas Corpus (HC 102088), pois nele se fixou o entendimento de que o princípio da insignificância ou bagatela objetiva “impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto”.
Esse julgamento reflete diversos pontos importantes não só para esclarecer o que é o princípio da bagatela, mas também para demonstrar que nem toda conduta tida como insignificante poderá ser utilizada como artifício para eximir-se da punição cabível.
Utilizando as próprias palavras da relatora do caso, “O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas (…) Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal”.
Ou seja, o princípio da insignificância tem como objetivo, em apertada síntese, garantir que sejam punidas pelo Direito Penal somente as condutas mais reprováveis, tendo como irrisórias as condutas que não impliquem em dano severo aos bens jurídicos protegidos pela norma.
Exemplo clássico é o furto de um pão. Afinal, “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel” é, nos termos do art. 155 do Código Penal, crime contra o patrimônio que possui pena de reclusão de um a quatro anos, além de multa.
Contudo, o mesmo artigo disciplina em seu parágrafo segundo que, sendo o réu primário (primeiro crime cometido) e a coisa furtada for de pequeno valor, poderá o juiz substituir a pena pela detenção ou aplicar somente multa.
Assim, vemos que, ao furtar um pão de uma padaria ou supermercado, torna-se evidentemente desarrazoado submeter o acusado à prisão, de forma que, analisada as circunstâncias em que foi cometido o crime, deve ser aplicado o princípio da insignificância ou bagatela. Isso porque, apesar de haver lesão ao bem jurídico, não implica em uma lesão séria o suficiente para aplicar o Direito Penal.
Entretanto, no âmbito penal, assim como no tributário, não são analisados somente o valor econômico ou o impacto financeiro causado pela conduta, mas todo entorno, existindo alguns critérios para a sua aplicação, como aprofundaremos em seguida.
2. Quais os critérios para a aplicação do princípio da insignificância?
O HC referido no tópico anterior estabelece algumas diretrizes que podem ser utilizados como parâmetros ou critérios para a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela, sendo necessário analisar, além do valor, “os aspectos objetivos do fato – tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada”.
A mínima ofensividade da conduta está relacionada ao exemplo do furto do pão, assim como a ausência de periculosidade social da ação. Considerando o cenário de desigualdade do país, não é absurdo crer que quem furta um pão está o fazendo porque tem fome. O que nos leva aos próximos itens que são o grau de reprovabilidade da conduta e o baixo reflexo da lesão jurídica.
Além disso, também é importante observar se aquela conduta é reiterada. É claro que furtar pães todos os dias, ou mais de uma vez por dia, causará não só prejuízo ao negócio, como poderá dar ao infrator sensação de impunidade, estimulando-o a cometer outros delitos.
Nesse sentido, havia divergência no entendimento dos Tribunais. Para ilustrar, podemos citar decisões conflitantes encontradas no âmbito do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, que, ao apreciar a questão, entendeu que “A habitualidade delitiva e a sonegação de tributos superiores a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) impedem o reconhecimento da irrelevância penal da conduta e afastam a aplicação do princípio da insignificância.”
E o Tribunal Regional Federal da Quarta Região que, por outro lado, entendia que “Para a consideração da insignificância penal, deve ser considerado cada fato ilícito praticado isoladamente, sendo irrelevante a existência de outros registros administrativos envolvendo, em tese, a mesma conduta, em desfavor do mesmo agente”.
Contudo, visando uniformizar os entendimentos, o STF e o STJ, em julgamentos mais recentes, definiram que não é aplicável o princípio da insignificância “nos casos em que o réu é reiteradamente autuado em processos administrativo-fiscais”. Esse entendimento tem sido aplicado pelos demais Tribunais inferiores desde então.
Tecidas essas considerações, quando passamos para a ótica do direito Tributário e a finalidade do pagamento de tributos, essa análise torna-se mais frágil e complexa.
3. O princípio da insignificância em crimes tributários
Tanto a Lei 4.729/65 quanto a Lei 8.137/90 tratam dos crimes tributários. A primeira, de forma mais direta, trata da sonegação fiscal, e a segunda abrange, de forma mais ampla, os crimes contra a ordem tributária.
Dessa forma, para que seja aplicado o princípio da insignificância a um dos crimes tributários tipificados pelas leis acima, utilizando os critérios para aplicação tratados no item anterior, além de observar o nível periculosidade social, o grau de ofensividade, reprovabilidade e habitualidade da conduta, é necessário ainda analisar o estabelecido pelo art. 20 da Lei 10.522/02, interpretado em conjunto com as Portarias do Ministério da Fazenda 75/12 e 130/12.
A Lei 10.522/02 estabelece que as execuções fiscais que apresentem baixo valor serão arquivadas, cabendo à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio de Portaria, estabelecer os parâmetros em relação aos valores. Nesse sentido, as Portarias referidas acima complementam o que determina a legislação.
Atualmente, as Portarias decretam que haverá o arquivamento de execuções fiscais que, devidamente atualizadas e com os acréscimos correspondentes, sejam iguais ou inferiores a R$ 20.000,00, desde que “não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito”.
Ou seja, poderá haver a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela nos crimes tributários que não ultrapassem o patamar de R$ 20.000,00. Utilizamos o verbo “poderá” pois ainda não é uniforme que esses argumentos possam se aplicar de forma automática aos crimes tributários.
Há tempos que os Tribunais aplicam o princípio da insignificância para o crime de descaminho, tipificado no art. 334 do Código Penal. O descaminho é a entrada, saída ou consumo de mercadoria com a qual não houve o recolhimento do devido direito ou imposto, com previsão de pena de reclusão de um a quatro anos.
Embora não esteja previsto nas leis que tratam sobre os crimes tributários, o descaminho implica, de forma direta ou indireta, no não recolhimento dos tributos incidentes. Assim, o valor do crédito tributário a ser investigado nos crimes mencionados utiliza como parâmetro o montante de R$ 20 mil reais.
Ocorre que a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela tem se apresentado como uma tese de defesa utilizada pelos contribuintes para eximir-se da punição por crimes tributários, a exemplo da sonegação.
Percebe-se que a tese proposta pela defesa não tem sido, em sua maioria, acolhida pelos Tribunais Federais, bem como pelos Superiores, que consideram, para aplicação do princípio da insignificância, acima do valor desviado, os valores ético-jurídicos resguardados pelo sistema normativo-penal.
Diante do exposto, neste artigo procuramos, além de esclarecer um pouco mais sobre os crimes tributários e seus danos à sociedade, explicitar o que é o princípio da insignificância ou bagatela e, ainda, quais são os critérios atualmente fixados pelos Tribunais para sua aplicação.
Mas, caso se interesse pelo tema, é possível entender mais acessando nosso conteúdo sobre Princípio da insignificância
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