Antes de entender o papel do contador na chamada indústria 4.0 é essencial compreender o que significa essa denominação. Para isso, faremos um breve retrospecto histórico para contextualizar as questões envolvidas.

Sabemos que ao longo da história a humanidade passou por processos de transformações que mudaram permanentemente a estrutura social e que ficaram conhecidos como revoluções. Uma das mais importantes foi a Revolução Industrial.

Essa Revolução foi um conjunto de mudanças que aconteceram na Europa nos séculos XVIII e XIX, e sua especificidade foi a substituição do trabalho artesanal pelo assalariado e pelo uso de máquinas. A Revolução Industrial é entendida como um processo que aconteceu ao longo de três etapas históricas, sendo que agora estaríamos na quarta etapa desse processo.

O início: Revolução Industrial

A primeira etapa da Revolução Industrial aconteceu, entre o período de 1760 a 1860, limitada particularmente à Inglaterra. Neste período houve o aparecimento das indústrias e o aprimoramento das máquinas a vapor, fato que permitiu a continuação da Revolução.

Em seguida, ocorreu a Segunda Etapa da Revolução Industrial, no período de 1860 a 1900, em países como Alemanha, França, Rússia e Itália que também se industrializaram. As principais inovações desse período foram o emprego do aço, a utilização da energia elétrica e dos combustíveis derivados do petróleo, além da invenção do motor à explosão, a locomotiva a vapor e o desenvolvimento de produtos químicos. 

Já a Terceira Etapa da Revolução Industrial ocorreu entre o século XX e XXI, e foi marcada pelos avanços tecnológicos. A eletrônica e o avanço científico foram as principais inovações na modernização da indústria. Essa etapa começou depois da Segunda Guerra Mundial,  permanecendo até os tempos atuais. 

Estamos, então, justamente, em um período histórico de transição, ou seja, estamos imersos em um novo processo revolucionário, conhecido como a Quarta Revolução Industrial, que se diferencia das demais por ser caracterizada pela conexão de sistemas e máquinas inteligentes, a chamada Era Digital.

A Quarta Revolução Industrial

Revolução significa mudança abrupta no poder político ou na organização estrutural de uma sociedade, que ocorre em um período relativamente curto de tempo. O termo é igualmente apropriado para descrever mudanças rápidas e profundas nos campos científico-tecnológico, econômico e comportamental humano. 

Segundo Schwab e Amorim (2016), a quarta Revolução Industrial compreende as ondas das novas descobertas em áreas diversas de forma concomitante, como o sequenciamento genético à nanotecnologia e as energias renováveis à computação quântica.

Contudo, o que a difere das revoluções antecessoras é a combinação dessas tecnologias com a integração entre os domínios físicos, digitais e biológicos.

Aliás, o termo Indústria 4.0 surgiu como referência ao projeto iniciado pelo governo alemão, que visou o desenvolvimento das tecnologias industriais e a competitividade das fábricas inteligentes junto à uma estratégia de promoção da informatização das fábricas, espalhando assim essa ideia e gerando redução de custos

A indústria 4.0 está diretamente relacionada ao termo Internet das Coisas (IoT). Esse conceito permite conectividade em tempo real de qualquer sistema produtivo.

Hoje as máquinas podem trocar dados, sentir mudanças no ambiente, como os alarmes de incêndio, e prevenir grandes desperdícios dentro das indústrias. Tudo isso ocorre por causa dos sistemas ciber-físicos que enviam informações de um dispositivo para o outro.

Além disso, por causa da sua presença, acabamos elaborando com ou sem intervenção humana, soluções conjuntas e execução de problemas de forma independente. Por isso, a telefonia móvel e a internet foram essenciais para os avanços técnicos, porque permitiu a conexão entre objetos, máquinas e humanos. 

Os novos desafios da revolução 4.0

No ambiente empresarial, no trabalho e na produção surgirão novos desafios que precisarão ser superados, visto que os progressos tecnológicos estimulam a automatização da mão de obra humana, exigindo novas competências e habilidades pelo mercado de trabalho.

Portanto para que os indivíduos sejam capazes de sustentar essas transformações, a academia deve avaliar e adaptar suas ofertas formativas a fim de que estejam alinhadas às necessidades das futuras gerações de profissionais e do mercado de trabalho.

Assim como nas revoluções anteriores, a Indústria 4.0 provocará transformações profundas no âmbito econômico, político e social.  E dentre os impactos previstos já se destacam as mudanças nos processos de produção e distribuição de bens e serviços, o desenvolvimento dos novos padrões de consumo e necessidades dos clientes, a manifestação de novos modelos de negócio, o incremento da pesquisa, e desenvolvimento em tecnologias da informação e comunicação (TIC).

No mundo dos negócios, as novas tecnologias influenciarão principalmente a gestão, a liderança e a organização das empresas. Haverá impactos na expectativa do cliente, que serão mais exigentes na percepção do valor, nas novas formas de colaboração e parcerias, na transição dos modelos operacionais para modelos digitais e no aperfeiçoamento de produtos a partir dos dados (o que resulta em uma melhora da produtividade dos ativos). 

As empresas, portanto, precisarão buscar maior agilidade e velocidade nos processos, bem como buscar constantemente pela inovação, visto que esse processo aumentará consideravelmente a concorrência entre as organizações.

As novas funções do contador na indústria 4.0

A indústria 4.0 já é uma realidade e todos os profissionais devem estar aptos para as mudanças e adequações que esse novo cenário exige. Então, obviamente, essas adequações também são inevitáveis para os contadores

O contador será (e na verdade já é) um elemento estratégico fundamental de conexão de todos os setores da empresa, que transita por diferentes áreas e oferece apoio operacional para o desenvolvimento dos novos padrões e serviços.

Além disso, o contador 4.0 figura também como um consultor. Ele  deve possuir a capacidade de combinar seus conhecimentos sobre leis, finanças, tributação e demais áreas contábeis com as especificidades do negócio e dos processos do cliente.  Por isso, outras competências e ajustes curriculares deverão ser feitos para que seja possível a adaptação do contador a essa nova realidade. 

Porém, sabemos que atualmente a preparação do estudante de ciências contábeis se dá predominantemente pelas questões técnicas, baseadas em uma grade curricular focada em aspectos de registro e controles isolados, que não privilegiam a formação de um conhecimento mais amplo. 

Então é fato que com a chegada  da revolução 4.0 essa abordagem tecnicista precisará ser superada, com profissionais capazes de entender o negócio de maneira mais abrangente, para conseguir participar melhor do processo de apoio decisório das operações, de acordo com as novas demandas das organizações.

Nesse sentido as características mais importantes para o profissional da contabilidade da nova geração serão:

1 – Desenvolver a capacidade crítico-analítica de avaliação, em relação às implicações organizacionais com o advento da tecnologia da informação

Segundo estudos realizados, as grades curriculares dos cursos de ciências contábeis de instituições brasileiras e portuguesas possuem carência quanto ao número de disciplinas de tecnologia de informação. Porém esse é um fator de extrema importância para o novo panorama da indústria 4.0, então caberá aos estudantes e profissionais da área buscarem por mais conhecimentos e especializações na área de tecnologia da informação.

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2 – Adaptar-se a uma abordagem mais generalista do que especialista.

Um profissional generalista é capaz de interagir com várias áreas, porque possui visão holística da sua organização. Um estudo feito por pesquisadores da Columbia Business School e da Tulane University aponta que “os especialistas são menos valorizados pelo mercado, além de receberem menos ofertas de emprego, eles ainda ganham bônus menores”.

Outra pesquisa, agora com foco maior na profissão dos contadores demonstrou que há riscos consideráveis para algumas das atividades/profissões oriundas do curso de Ciências Contábeis, como as que envolvem profissionais contábeis e auditores em geral (94%), analistas de orçamento (94%), profissionais da área de custos (57%) e preparadores de impostos (99%) devido à probabilidade de automação desses processos.

Portanto, dessa maneira fica evidente a importância da aquisição de conhecimentos mais abrangentes em matéria de negócios bem como outras habilidades e atitudes reconhecidas pelo mercado e em especial ligadas às características da indústria 4.0.

3 – Ter fluência em outros idiomas.

É recomendável que o contador 4.0 possua facilidade ou fluência em outros idiomas, especialmente na língua inglesa. Os E.U.A. ainda são os maiores produtores de tecnologia e os principais geradores de conteúdo acadêmico para essa área.

Deste modo, a maioria das normas e das publicações estão disponíveis neste idioma, inclusive os próprios conteúdos sobre o tema revolução 4.0.

4 – Desenvolver a capacidade de liderança.

Um perfil de líder é essencial para o contador, pois no contexto 4.0 esse profissional precisa de um protagonismo ainda maior, que lhe exigirão um comportamento de condução de equipes. As características de relacionamento interpessoal serão essenciais para se desempenhar um papel adequado de líder, e farão toda a diferença em relação a motivação da equipe.

As novas atuações dos profissionais na indústria 4.0

Para compreender as atuações específicas (atuais e futuras) do contador, nesta nova era digital, é importante compreender que diante dessas mudanças (todas) os profissionais deverão desenvolver seus trabalhos em novas vertentes como o trabalho remoto e atuar em outras áreas também para desenvolver novas habilidades e competências.

1 – Trabalho remoto

Esse tipo de trabalho é uma tendência cada vez mais incorporada por empresas e profissionais. Está se tornando uma prática usual em diversas áreas, possibilitando a realização de atividades à distância e abrindo um novo panorama nas relações de trabalho com novos modos de desempenhar tarefas. 

No trabalho remoto, a grande diferença do convencional é a maneira como se organizam as cargas horárias. Contudo, as metas, tarefas e atividades continuam tendo as mesmas demandas e requerendo as mesmas habilidades e necessidades dos trabalhos não remotos.

O cenário da economia mundial necessita que o trabalho seja mais dinâmico, incorporando às inovações do mercado e da indústria 4.0. Os espaços colaborativos de coworking e o home office estão se tornando tendência, principalmente na realização de trabalho remoto.

São várias as vantagens do trabalho remoto, mas principalmente a redução de custos, tendo em vista os gastos desnecessários como custos de vale transporte, alimentação, aluguel de espaço físico, água, energia elétrica, serviços de manutenção, limpeza e segurança. Há também outras vantagens, menos concretas, mas perceptíveis e importantes para o trabalhador como a diminuição do estresse com o colaborador, a redução no risco de acidentes no trajeto de locomoção, melhor qualidade de vida, etc.

2- Criação de novas demandas de profissionais

 quando se fala em novas demandas de profissionais vêm à mente as novas profissões que já surgiram e que serão destaques no futuro. 

Observando essas novas demandas é possível prever nos próximos anos profissionais que deverão possuir competências para atuar em profissões e atividades relacionadas à tecnologia e ao mundo digital. Profissões essas que já são realizadas por cientistas ou engenheiros de dados, desenvolvedores de softwares, especialistas em cloud computing (computação na nuvem), designer de realidade aumentada, creators (produtores de conteúdo), professor online, profissional de marketing digital, analista de big data, engenheiro ambiental e hospitalar, segurança da informação, gestor de inovação, geneticista, especialista em e-commerce, profissionais de saúde mental, especialistas em energias renováveis ou alternativas, etc. 

Portanto, ser um profissional com facilidade em T.I. certamente trará grande facilidade em relação a empregabilidade.

3 – Novas competências e habilidades

 Os profissionais precisarão desenvolver a capacidade de trabalho colaborativo, gestão de tempo, resolução de problemas complexos, raciocínio analítico e disposição para compartilhar decisões. Necessitarão também ter conhecimentos técnicos, formação acadêmica adequada para áreas e profissões consideradas promissoras, bem como facilidade de lidar com as tecnologias. 

Em relação a parte comportamental e psicológica, vale destacar o desenvolvimento do autoconhecimento, inteligência emocional, flexibilidade, agilidade, proatividade e criatividade.

Todas essas mudanças vão gerar impactos na melhora da qualidade, velocidade e desempenho da produção. Estima-se também que até 2020, mais de sete milhões de empregos tradicionais deixarão de existir e, obviamente haverá muitas profissões que serão mais prejudicadas. Para se adaptar às mudanças é necessário que se adapte às novas demandas, por exemplo, o contador deverá entender que há novas formas de trabalho e novas possibilidades de ação.

Natural que a maioria das informações contidas em estudos relativos à indústria 4.0 sejam previsões pouco tangíveis do ponto de vista de nossas experiências pessoais, porém é necessário que tenhamos atitudes de antecipação em relação às possíveis demandas do mercado em relação aos trabalhos da contabilidade. 

Não podemos ficar à sorte do destino, acomodados e imaginando que estamos imunes aos riscos das mudanças, precisamos nos informar e estar ligados em todas as novidades e oportunidades para nos desenvolvermos e prosperarmos no mercado cada vez mais competitivo em que participamos.

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Autor convidado do Vamos Escrever, é bacharel em Ciências Contábeis e pós-graduado em Gestão da Qualidade Total, é professor universitário na área de Contabilidade Auditoria, Tributária, Fiscal e Perícia. Atua na área como Contador, e nos tempos livres, é admirador de belas-artes e leitor de História e Filosofia. 📩leonardopaganini@vamosescrever.com.br Saiba mais sobre o autor