Em qualquer lugar do mundo um carro terá sempre as mesmas características básicas: quatro rodas, um motor, um volante, um banco para o motorista, um acelerador e os freios. Contudo, não podemos dizer o mesmo quanto aos sistemas de trânsito. Por exemplo, a Inglaterra tem regras que, em teoria, são bem parecidas com as brasileiras: ambos temos um sistema de sinalização com placas, faixa de pedestres e semáforos, por exemplo. Na prática, os dois sistemas são totalmente distintos: enquanto o brasileiro guia o seu carro pelo lado direito da pista, os ingleses o fazem pelo lado esquerdo. Ou seja, o que por aqui é dirigir no sentido correto, lá é considerado andar na contramão! Isso não quer dizer que os ingleses estão errados, muito menos que os brasileiros dirigem melhor. Significa apenas que esses sistemas são diferentes, mas com um objetivo comum: como conduzir um carro em vias públicas.
Podemos dizer que a contabilidade funciona de forma similar. Ela tem suas características muito bem definidas com os débitos, os créditos, os ativos, os passivos, o patrimônio líquido, as receitas, os custos e as despesas. Porém possui diversos sistemas de regras, que muitas vezes são como dirigir na Inglaterra. Ou seja, se você aprendeu a dirigir no Brasil, com certeza terá dificuldades.
1. CPC – Regulamentações
No Brasil, a contabilidade era regulada por diversas entidades. O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) era o responsável por editar as normas brasileiras de contabilidade geralmente aceitas (BR GAAP). Porém, como o termo “geralmente” sugere, essas regras não eram seguidas por todas os tipos de empresas. Outras entidades reguladoras exigiam que as empresas de seus respectivos setores seguissem outras regras específicas para a contabilidade.
Por exemplo, o Banco Central do Brasil exigia que, além das normas do CFC, as instituições financeiras também seguissem a sua própria “cartilha”, chamada COSIF. O mesmo acontecia com outros setores, como os de seguros, previdência privada, energia elétrica, e etc., cada um tinha a sua própria regra contábil.
Com tantas regras e nomenclaturas diferentes e específicas, era muito difícil fazer comparações entre empresas de segmentos distintos. Para tanto, era necessário fazer uma série de adaptações e conversões.
Para se ter uma ideia da complexidade, muitas empresas eram obrigadas a registrar suas atividades em mais de um livro contábil. Um era para atendimento da legislação fiscal, em conformidade com a Secretaria da Receita Federal; outro, para apresentação ao mercado, de acordo com as normas do CFC (Conselho Federal de Contabilidade) e CVM (Comissão de Valores Mobiliários); e, por vezes, ainda outro para apresentação ao órgão regulador do setor, como Banco Central e Susep (Superintendência de Seguros Privados).
Muitos contadores se especializavam em setores específicos, pois as regulamentações eram muito complexas.
Diante desse cenário, em 2005 foi criado o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), uma entidade autônoma que tem por objetivo “o estudo, o preparo e a emissão de documentos técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas pela entidade reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização do seu processo de produção, levando sempre em conta a convergência da Contabilidade Brasileira aos padrões internacionais”, criado pela Resolução CFC nº 1.055/05. O Comitê é composto por representantes das seguintes entidades:
- Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA);
- Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (APIMEC Nacional);
- B3 Brasil Bolsa Balcão;
- Conselho Federal de Contabilidade (CFC);
- Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON);
- Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI);
- Entidades representativas de investidores do mercado de capitais.
Além das sete entidades representadas, o CPC também conta com a participação representantes convidados dos seguintes órgãos:
- Banco Central do Brasil (BACEN);
- Comissão de Valores Mobiliários (CVM);
- Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB);
- Superintendência de Seguros Privados (SUSEP);
- Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN);
- Confederação Nacional da Indústria (CNI); e
- Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC).
2. Lei 11.638/07 e as Normas Internacionais
Em dezembro de 2007, com a publicação da lei 11.638, o Brasil iniciou o processo de convergência e unificação da contabilidade brasileira para as normas internacionais de contabilidade.
Essa lei foi importante pois, além de integrar o Brasil oficialmente às normas internacionais de contabilidade, viabilizou que o CPC celebrasse convênio com entidades reguladoras como Banco Central e CVM com o objetivo do “estudo e a divulgação de princípios, normas e padrões de contabilidade e de auditoria, podendo, no exercício de suas atribuições regulamentares, adotar, no todo ou em parte, os pronunciamentos e demais orientações técnicas emitidas” (Lei 11.638 Art. 5 A).
A partir de então, o CPC ganhou protagonismo como o principal órgão regulador da contabilidade no Brasil, emitindo uma série pronunciamentos, orientações e interpretações, consolidando e uniformizando as normas brasileiras de contabilidade e alinhando nosso sistema contábil com as tendências e normas adotadas internacionalmente.
Atualmente, já foram publicados cerca de 50 pronunciamentos e outras dezenas de documentos como orientações, interpretações e comunicados. Conservador e pragmático, o CPC submete seus os pronunciamentos a audiência pública e os aprova em deliberações com ao menos 2/3 dos membros do Comitê. Dinâmico, atualiza os documentos já emitidos de tempos em tempos, de acordo com as experiências de sua utilização, se atualizando com as necessidades do mercado.
Organizados por assuntos, os pronunciamentos, orientações e instruções emitidos pelo CPC, englobam os diversos ramos da economia e todos os tipos e tamanhos de empresas, incluindo até mesmo uma norma mais simplificada para as pequenas e médias empresas, se adequando às necessidades dessas entidades, que não tem uma estrutura tão sofisticada para manutenção de seus livros contábeis.
Diferentemente de outros sistemas normativos, como as regras de trânsito, os pronunciamentos emitidos pelo CPC não têm por objetivo dizer o que é permitido ou proibido, ou qual direção deve ser tomada e qual deve ser evitada, mas sim dar maior enfoque a conceitos e princípios para que possam auxiliar aos responsáveis pela elaboração dos relatórios contábeis no desenvolvimento de políticas contábeis consistentes mesmo que uma transação não esteja prevista em nenhum pronunciamento, ou que o pronunciamento permita a escolha de uma política contábil.
3. O CPC e o profissional de Contabilidade
Com essa abordagem, o CPC também proporcionou maior protagonismo ao profissional de contabilidade, incentivando o exercício da aplicação de estimativas e julgamentos por parte desses profissionais, providenciando ferramentas que o auxiliam, direcionam e suportam no processo de análise e elaboração das demonstrações contábeis.
Como exemplo, em janeiro de 2018 entrou em vigor o pronunciamento 47 – Receitas de Contratos com Clientes, que disponibiliza diretrizes gerais para o reconhecimento de uma receita de contrato com cliente, conhecidas como o “modelo de cinco passos”. São elas:
- Identificação de contrato com cliente;
- Identificação de obrigação de desempenho;
- Determinação do preço do contrato;
- Alocação do preço da transação;
- Reconhecimento da receita.
Ao invés de fornecer uma lista com todos os tipos de operações com clientes e descrever como as receita devem ser reconhecidas em cada situação, o pronunciamento delega ao profissional de contabilidade a identificação de cada passo do processo, possibilitando que efetue julgamentos baseados em princípios e conceitos, de acordo com a essência da operação.
4. Concluindo
Por fim, o CPC é atualmente a entidade contábil de maior relevância no Brasil. Tirou a contabilidade brasileira de uma situação de sistemas conflituosos, que muitas vezes andavam pela “contramão”, simplificando e unificando os diversos conjuntos de regras existentes. Ajudou a integrar o país ao sistema internacional de contabilidade. Adicionou um novo significado à contabilidade, indo além dos débitos e créditos e do formalismo da regra, para um sistema de princípios e conceitos, dando protagonismo ao profissional contábil para que identifique e julgue quais metodologias utilizar, a partir da essência de cada operação.
Assim, mais que um conjunto de regras, o CPC – Comitê de Pronunciamentos Contábeis tem proporcionado ferramentas para que o profissional contábil possa exercer sua atividade com qualidade e excelência.
Se você tiver dúvidas, ou deseja fazer suas considerações, comente abaixo ou escreva diretamente para o autor: luistiago@vamoescrever.com.br .
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