Primeiramente, o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) foi instituído pelo Decreto n.º 6.022/2007, porém, antes mesmo dessa data, as administrações tributárias já vinham preparando esse tipo de ambiente tecnológico.

Portanto, o primeiro marco para viabilizar as informações a serem prestadas futuramente no SPED foi a criação de uma tecnologia instituída pela Medida Provisória n.º 2.200-2/2001, denominada como certificação digital. Esse tipo de tecnologia visa garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica dos documentos apresentados em forma eletrônica.

Contudo, a segurança no fluxo eletrônico dessas informações era apenas o primeiro passo para que o SPED pudesse ser “concebido”.

As administrações tributárias (a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal) dependiam ainda de uma autorização constitucional para o compartilhamento das informações geradas nesse ambiente digital.

Essa autorização ocorreu com a aprovação da Emenda Constitucional n.º 42/2003, cujo texto permitiu que os fiscos federal, distrital, estaduais e municipais, por exemplo: (i) atuassem de forma integrada e (ii) compartilhassem entre si os cadastros e as informações fiscais.

Dessa forma, após preparado o “terreno”, o SPED pode enfim ser instituído e sua implantação trouxe, inicialmente, dois grandes desafios para as empresas:

  1. a necessidade de investimentos em tecnologia; e
  2. o domínio de toda a estrutura funcional e operacional do SPED.

Diante desse cenário inicial, a questão que surge e que merece reflexão atualmente é quais seriam os impactos para as empresas, mesmo após os 15 anos de SPED. 

Para isso, este artigo discorre sobre os seguintes aspectos envolvendo o SPED: (i) alguns desafios atuais para a elaboração e a transmissão dessa obrigação acessória e (ii) alguns ajustes e ações pendentes por parte das administrações tributárias e pelos contribuintes para que o SPED ofereça, de fato, os benefícios esperados. 

Leia também: SPED – Atualizações e Bloco K

1. O volume de informações no SPED ao longo do tempo  

Comparando o volume de informações inicialmente exigidas pelo SPED e a quantidade de informações atualmente exigidas, não haverá dúvidas de que o fisco, ao longo de 15 anos de SPED, foi aperfeiçoando essa obrigação acessória, detalhando cada vez mais as informações a serem prestadas pelas empresas.

Dessa forma, esse detalhamento continuará sendo uma tendência para os anos que estão por vir e deve ser um motivo de preocupação, uma vez que a quantidade de informações prestadas atualmente já é bem volumosa.

Conforme o quadro abaixo, ao considerar apenas os Guias Práticos e os Manuais de Orientação de Leiaute das escriturações contábeis e fiscais refletidas na ECD (Contábil), ECF (IRPJ e CSLL), EFD Fiscal (ICMS e IPI) e EFD-Contribuições (PIS e COFINS), há o seguinte volume de páginas a serem consultadas (números levantados até a edição final deste artigo):

Figura 1: Volume de informações dos documentos do SPED


Fonte: Wellington Santos, Vamos Escrever para Qive, julho de 2022. 

2. A falta de capacitação dos profissionais  

Em uma coisa todos concordam: o SPED evidenciou a necessidade de uma maior capacitação dos profissionais envolvidos, pois exige muito mais atenção e cuidado no preparo das informações.

A atualização desses profissionais sempre foi deixada em segundo plano por grande parte das empresas. Havia a falsa crença de que qualquer erro gerado por essa negligência poderia ser sanado antes de uma eventual fiscalização. 

Porém, com a chegada do SPED, esse cenário não é mais o mesmo, pelo menos no que diz respeito ao acesso do fisco às informações registradas e enviadas. A fiscalização agora é eletrônica, remota e fruto de um cruzamento de dados capaz de identificar em segundos uma série de procedimentos ilícitos.

Dessa forma, não há dúvidas de que um dos desafios ainda presentes nos dias de hoje para os profissionais é a capacitação e a atualização, ainda mais diante de uma legislação que se altera a todo momento e que implica na forma como as informações serão prestadas ao fisco.

Além disso, é preciso entender de uma vez por todas que o SPED traz uma necessidade de um trabalho de cunho intelectual, não restrito apenas às atividades operacionais.

Inclusive, após 15 anos de SPED, é difícil acreditar que a maior parte das grades curriculares de cursos superiores de Ciências Contábeis ou de Tecnologia da Informação ainda não deem espaço para o ensino e a aplicação prática dessa obrigação acessória.

3. A falta de estrutura tecnológica

Em primeiro lugar, o início do projeto SPED foi marcado pela dificuldade de adequação das empresas a esse novo ambiente digital, seja em virtude dos prazos exigidos ou mesmo pelo custo elevado para a aquisição de novas tecnologias necessárias ao seu cumprimento.

A grande verdade é que o movimento de adequação foi mais intenso por parte das grandes companhias. Após 15 anos de SPED, as pequenas e médias empresas encontram, ainda hoje, imensas dificuldades para fazer frente aos dispêndios necessários para o atendimento pleno do SPED.

Isso porque a maior parte das pequenas e médias empresas não utilizam sistemas integrados, e as informações geradas para o SPED precisam ser compiladas, visto que possuem origens diversas. Ou seja, esse contraste dificulta, assim, a auditoria e a validação dos dados informados.

Leia também: SPED – Atualizações e Bloco K

4. Os benefícios prometidos e não cumpridos pelo SPED

Desde o seu princípio, o SPED trouxe claras evidências dos benefícios que traria às administrações tributárias. Talvez, em virtude disso, a sua implantação foi acompanhada por uma intensa divulgação de inúmeras vantagens que se estenderiam também aos contribuintes.

No quadro abaixo, estão elencados alguns desses benefícios apontados pela Receita Federal do Brasil (RFB):

Figura 2: Benefícios do SPED

Fonte: Wellington Santos, Vamos Escrever para Qive, julho de 2022. 

Infelizmente, mesmo depois de 15 anos de SPED, alguns desses benefícios ainda não se concretizaram, por exemplo, a requerida simplificação das obrigações acessórias, visto que a ideia inicial era unificar as informações prestadas no SPED, que se encarregaria de compartilhá-las entre os interessados.

Contudo, atualmente ainda há a obrigatoriedade de entrega de diversas obrigações acessórias, cujas informações são prestadas no SPED. 

Por exemplo, é a empresa obrigada ao recolhimento do ICMS Substituição Tributária. Dependendo do estado em que está estabelecida, ao efetuar operações interestaduais e no caso de se cadastrar no estado de destino, a empresa se submete às seguintes obrigações acessórias: (i) SPED Fiscal, GIA (ou equivalente) e GIA-ST; tendo, portanto, as suas informações triplicadas.

Por fim, o cenário demonstrado não deixa dúvidas de que há muito ainda por se fazer para que se tenha, de fato, uma redução do “Custo Brasil”.

5. A ausência de um padrão nacional da NFS-e

Seria uma imensa irresponsabilidade ignorar as dificuldades técnicas e operacionais envolvidas na implantação de uma Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e) padrão nacional.

Afinal, são 5.570 municípios, cada um com realidades econômicas e tecnológicas distintas.

Porém, as movimentações das administrações tributárias em torno de uma NFS-e nacional e o tempo despendido até aqui (15 anos de SPED), traz uma certa frustração em relação a esse projeto.

Os Protocolos de Cooperação n.º 1/2006 e n.º 02/2007 celebrados entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios representados pela ABRASF (Associação Brasileira das Secretarias de Finanças dos Municípios das Capitais) e pela CNM (Confederação Nacional de Municípios), visavam a integração da NFS-e ao Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) e a expectativa era a de que logo haveria a racionalização e a padronização das obrigações acessórias municipais.

Além disso, a falta de materialização de uma NFS-e nacional traz inúmeros problemas às administrações municipais, como: 

  1. a indisponibilidade de um serviço gratuito de emissão de NFS-e;
  2. o custo elevado para manter sistemas oferecidos por empresas privadas; e 
  3. o risco do compartilhamento de dados que deveriam ser exclusivamente públicos.  

6. O equívoco em não se utilizar o SPED como uma ferramenta estratégica

Depois de 15 anos de SPED, essa obrigação acessória já é uma realidade para muitas empresas, porém, muitas não o veem como uma oportunidade nem como um potencial benefício para os seus negócios.

Todavia, é preciso lembrar que o SPED não apresenta vantagens apenas para o fisco. A sua devida implementação resultará num maior controle sobre as atividades da empresa e no gerenciamento de riscos.

Nesse sentido, a prestação de informações ao SPED exige uma série de procedimentos benéficos para as empresas, como:  

  • ajustes de processos e procedimentos; 
  • o saneamento de cadastros;
  • a gestão de estoques; 
  • a padronização descritiva de produtos; 
  • uma melhora na qualidade das informações prestadas, entre outras.

7. O que os 15 anos de SPED podem ensinar?

Após 15 anos de SPED não há mais espaço para aquele pensamento equivocado de que nem todos os erros serão identificados pelo fisco. Dessa forma, com a chegada e o aperfeiçoamento do SPED, as administrações tributárias têm subsídios para verificar de forma remota eventuais irregularidades, seja em relação às pequenas ou às grandes empresas.

Assim, as operações não devem ser realizadas apenas sob o viés comercial ou de resultado. Logo, todas e quaisquer operações precisam atender às demandas da legislação e às exigências de funcionalidade e estrutura do SPED.  

Por outro lado, as administrações tributárias também precisam se esforçar para simplificar e racionalizar a entrega de obrigações acessórias e para “democratizar” as possibilidades de cumprimento e entrega do SPED, seja com o oferecimento de tecnologias gratuitas ou com programas de treinamento e orientação.

Desse modo, os próximos 15 anos de SPED precisam consolidar uma mudança de cultura para os dois lados: fisco e contribuinte, pois o SPED representa uma ótima oportunidade de excelência, seja para a gestão pública ou para a gestão dos negócios.

Gostou do post? Acesse nosso Guia Completo sobre o SPED

Temas:

Compartilhe nas redes sociais

Escrito por Wellington Santos

Autor Vamos Escrever, é bacharel em Ciências Contábeis e pós-graduado em Gestão Tributária. Possui mais de 20 anos de experiência na área tributária e é sócio de uma empresa de Consultoria Tributária. É vocalista de um Ministério de Música e amante de filmes de suspense. 📩wellingtonsantos@vamosescrever.com.br Saiba mais sobre o autor