O sistema tributário brasileiro é conhecido por sua complexidade e, não à toa, foi denominado pelo jurista Alfredo Augusto Becker como um “Carnaval Tributário”.
No Brasil, os atuantes na área tributária precisam lidar com um emaranhado de regras que se alteram a todo momento e que variam em função de uma série de fatores, como: (i) o regime de tributação, (ii) o valor do faturamento auferido (iii) o tipo de atividade, (iv) o tipo das operações praticadas, (v) os produtos e serviços oferecidos, (vi) a destinação desses produtos e serviços, (vii) a região onde está localizada a empresa, (viii) a região onde estão localizados os clientes, entre outros.
Assim, num cenário de caos tributário, as possibilidades de algum erro por parte das empresas são ainda maiores. Afinal, quem poderia afirmar com absoluta certeza que está 100% em conformidade com todas as suas obrigações fiscais?
O tema ganha ainda maior relevância à medida que algumas infrações tributárias podem, inclusive, ser qualificadas como um crime. Já imaginou a repercussão negativa para o negócio se a empresa for responsabilizada criminalmente pelo descumprimento de alguma regra fiscal?
Desse modo, discorreremos neste artigo sobre: (i) as circunstâncias que caracterizam uma infração tributária, (ii) as condutas indicadas como crimes contra a ordem tributária e (iii) algumas ocorrências fiscais e contábeis que podem indicar irregularidades com potenciais riscos de criminalização.
1. Infração tributária
A infração tributária é qualquer ação ou omissão que esteja em desacordo com as regras estabelecidas pela legislação tributária e que implicam em sanções administrativas, como a aplicação de multas.
1.1 Infração tributária decorrente de uma ação
O transporte de mercadoria com Nota Fiscal utilizada em uma operação anterior (reutilização) é um exemplo de infração decorrente de uma ação do contribuinte.
1.2 Infração tributária decorrente de uma omissão
A falta da prestação de informações exigidas pelo Fisco no Sped Fiscal é um exemplo de infração decorrente de uma omissão.
No próximo tópico trataremos sobre as infrações qualificadas como crimes contra a ordem tributária.
2. Crimes contra a ordem tributária
Há alguns tipos de infrações que são criminalizadas pelo Fisco com o intuito de coibir determinadas condutas do contribuinte.
Todas as condutas que configuram crimes contra a ordem tributária estão contempladas na Lei n.º 8137/1990.
Nesse dispositivo legal encontramos uma série de ações e omissões praticadas de forma dolosa pelos contribuintes para suprimir ou reduzir o tributo devido. A conduta dolosa representa a vontade ou a intenção do contribuinte em praticar determinado ato definido como crime pela lei.
Portanto, apenas poderá ser considerada como crime a conduta que tenha a intenção e o objetivo de burlar e causar algum tipo de dano ao Fisco. Assim, os crimes contra a ordem tributária, além do inadimplemento, pressupõem a ocorrência de alguma forma de fraude.
Por sua vez, na Lei n.º 8.137/1990 encontramos dois tipos de crimes praticados pelos contribuintes: a sonegação fiscal e a apropriação indébita.
2.1 Sonegação fiscal
O crime de sonegação fiscal é toda e qualquer conduta que busque como resultado o não recolhimento de um tributo devido ou seu recolhimento em valor inferior ao devido.
Esse tipo de crime envolve o uso de fraude, cujo intuito é enganar e ocultar o fato gerador do tributo por meio de omissões, simulações ou falsificações.
Na sonegação fiscal, o propósito é “iludir” o Estado quanto ao pagamento do imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria (STF – Habeas Corpus n.º 99.740/SP).
2.2 Apropriação indébita tributária
Na apropriação indébita há o apoderamento de algo que pertence a um terceiro. É um tipo de crime em que não há a ocorrência de fraude, mas somente a falta de repasse ao Fisco de um tributo de terceiro, cuja responsabilidade foi atribuída ao contribuinte tido como infrator.
A descrição típica do crime de apropriação indébita tributária contém a expressão “descontado ou cobrado”, portanto, nem toda empresa cometerá esse tipo de crime, mas somente aqueles que ‘descontam’ ou ‘cobram’ o tributo e não repassam ao Fisco.
O termo “descontado” é atribuído aos tributos diretos (como o IRPJ e a CSLL) e o termo “cobrado” aos tributos indiretos (como o ICMS Substituição Tributária).
Recentemente, decisões do STJ e do STF – Habeas Corpus n.º 399.109 e Recurso Ordinário em Habeas Corpus n.º 163.334 respectivamente – concluíram que o termo “cobrado” também pode ser atribuído ao ICMS incidente na operação própria do contribuinte, não sendo exclusivo aos casos de substituição tributária.
O raciocínio que prevaleceu nas decisões acima citadas, destacou o fato de o ICMS integrar a sua própria base de cálculo (cálculo “por dentro”) e, assim, o valor do imposto cobrado no preço e, desse modo, repassado ao consumidor final, seria efetivamente pago pelo adquirente das mercadorias.
Portanto, partindo dessa lógica, o recebimento do valor do ICMS pago pelo consumidor final (incluído no preço) e não repassado ao Fisco permitiria o enquadramento desse não recolhimento do imposto como um crime de apropriação indébita, sob a condição de ser praticada de forma reiterada e com indiscutível má-fé.
3. Crimes materiais ou formais – Entenda o risco para as empresas
Os artigos 1º e 2º da Lei n.º 8.137/1990 relacionam os crimes praticados por particulares (contribuintes) e o tipo de pena aplicada a esses crimes.
Uma leitura desatenta dessa lei pode levar à conclusão equivocada de que apenas será considerada crime a conduta que resultar no não recolhimento ou no recolhimento a menor de tributos devidos.
Porém, não necessariamente o será, conforme poderemos constatar das definições atribuídas ao crime material ou formal.
3.1 Crimes materiais
Os crimes materiais estão previstos no artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990 e apenas serão consumados se, de fato, o contribuinte alcançar o resultado pretendido, qual seja, o não recolhimento ou redução de um tributo que seria devido em sua totalidade.
Se as condutas ali previstas não alcançarem tal resultado, não há o que se falar em crimes contra a ordem tributária.
Vejamos, no quadro abaixo, os comportamentos que serão tipificados como crime apenas se concretizada a sonegação fiscal:
3.2 Crimes formais
Ao contrário dos crimes materiais, os crimes formais previstos no artigo 2º da Lei n.º 8.137/1990 não exigem a ocorrência do resultado para a sua consumação.
Dessa maneira, mesmo que as condutas não provoquem qualquer dano ao Fisco, o crime contra a ordem tributária não será afastado, desde que esteja presente o elemento fraude na ação praticada pela empresa.
Vejamos, no quadro abaixo, os comportamentos que serão tipificados como crime, ainda que o contribuinte não alcance nenhuma vantagem com a infração:
4. Ocorrências fiscais e contábeis com potenciais riscos de criminalização
Ainda que o contribuinte possa alegar que praticou determinada conduta sem a intenção de fraudar o Fisco, as infrações ocorridas de forma reiterada podem levar o Fisco a presumir a ocorrência de uma fraude tributária.
O grande problema é que essa presunção transfere o ônus da prova da fiscalização para o contribuinte, cabendo a esse último comprovar a não ocorrência da infração presumida.
Por isso, o alerta cabe, inclusive, para as empresas que não agem de má-fé, mas que negligenciam suas rotinas fiscais e contábeis, sem apresentar provas robustas que contrariem as infrações apontadas pela fiscalização.
4.1 Procedimentos Fiscais e Contábeis – Indícios de irregularidades
No quadro abaixo constam alguns indícios de irregularidades apontados a partir de ocorrências de cunho fiscal ou contábil e que podem despertar alguma suspeita de fraude por parte do Fisco:
5. A importância de gerir as operações fiscais e contábeis
A gestão de todos os processos e procedimentos inerentes ao negócio da empresa é fundamental para a identificação de alguma irregularidade que possa vir a representar algum tipo de fraude.
O recebimento de uma denúncia-crime, apesar de possibilitar à empresa a oportunidade de defesa, já é por si só um componente suficiente para colocar a imagem e a continuidade dos negócios em risco.
Dessa forma, é extremamente importante que as empresas não considerem somente o fator fraude, mas igualmente a falta de gestão sobre suas operações.
Para ilustrar a relevância desse tipo de cautela, vale registrar que algumas administrações fazendárias estão comunicando ao Ministério Público fatos que configuram, em tese, crimes contra a ordem tributária, pelo simples fato de identificarem infrações praticadas de forma reiterada pelos contribuintes.
É o caso, por exemplo, de fornecedores diversos com inúmeras Notas Fiscais declaradas inidôneas e registradas nos Livros Fiscais sem qualquer tipo de validação ou crítica. Assim, qualquer infração que ocorra por um extenso período de tempo poderá evidenciar ao Fisco uma conduta dolosa.
Sendo assim, se torna imprescindível às empresas a identificação de infrações que sejam recorrentes, evitando, dessa forma, o recebimento de autuações fiscais geralmente relacionadas: (i) ao desleixo com o cumprimento das obrigações acessórias, (ii) à omissão de transações nos registros contábeis, (iii) ao registro de transações sem a devida comprovação e (iv) à aplicação de práticas contábeis indevidas.
Isso posto, torna-se essencial a busca pela conformidade por meio da gestão de todos os processos e a garantia de informações prestadas de forma fidedigna, com qualidade, e, principalmente, condizentes com as regras previstas na legislação tributária, minimizando, dessa forma, os riscos do empreendimento.
Para saber mais sobre o assunto, leia nosso artigo sobre tipos de multas tributárias e suas aplicações
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