Em setembro de 2020, foi sancionada a Lei Complementar nº 175, que dispõe sobre um padrão nacional de obrigação acessória para o ISS, trazendo também algumas alterações na incidência desse imposto para algumas atividades específicas. Apesar de alguns avanços, a nova lei ainda não responde de forma definitiva para todos os tipos de serviços a questão do local de incidência do ISS.
O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, também chamado de ISSQN ou ISS, é um tributo de competência dos municípios e do Distrito Federal, previsto no artigo 156 Constituição Federal do Brasil de 1988, e regulamentado pela Lei Complementar nº 116/03. O seu fato gerador é a prestação dos serviços que estão listados no anexo da LC 116/03.
A regra para a apuração do imposto é relativamente simples: se houver uma prestação de serviços, o ISS deve ser recolhido. Entretanto, é comum a prática de prestação de serviços entre entidades de municípios distintos. Por ser um tributo de competência municipal, constantemente surge a seguinte questão: o local de recolhimento do ISS deve ser o município do prestador de serviços ou o do tomador de serviços? Para esclarecer essas dúvidas, continue neste artigo!
A guerra fiscal entre os municípios
A definição entre o local correto de recolhimento de ISS é importante pois afeta diretamente na distribuição dos recursos entre os 5.570 municípios brasileiros. As principais fontes de receita desses Entes Federados são os impostos sobre propriedade (IPTU e ITBI) e sobre a prestação de serviços (ISS).
Por questões comerciais, de logística, de infraestrutura e outras mais, muitas empresas prestadoras de serviços têm seu domicílio em grandes centros comerciais, como as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Dessa forma, quando o recolhimento do ISS é no domicílio do prestador, esses grandes municípios são beneficiados, pois concentram a maior parte das empresas prestadoras de serviços e, consequentemente, acabam centralizando também a maior parte do imposto gerado a partir dos serviços prestados por essas empresas para outros municípios.
Do ponto de vista dos municípios que concentram os tomadores de serviços, com o tributo recolhido para o domicílio do prestador, toda a riqueza gerada no local da prestação de serviços é revertida para fora de seu território, não gerando qualquer benefício para o local da prestação do serviço.
Como alternativa para aumento da arrecadação, as prefeituras de cidades menores acabam entrando em uma verdadeira guerra fiscal, oferecendo alíquotas reduzidas de ISS para atrair empresas a se instalarem em seu território.
Por outro lado, se o ISS for recolhido no local onde o serviço foi tomado, a riqueza gerada dentro de seus domínios através desses serviços seria em parte revertida para benefício do próprio município. Para esses municípios, essa seria uma forma justa de distribuição de recursos entre os Entes Federados, descentralizando os recolhimentos dos grandes polos comerciais e financeiros.
Uma lei esclarecedora?
A Lei Complementar 116/03 deveria solucionar essa questão em seu artigo 3º, dizendo que “o serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador”. Se esse artigo terminasse com um ponto final após essa frase, a questão estaria solucionada e o imposto gerado por qualquer serviço listado no anexo da lei complementar deveria ser recolhido exclusivamente no município de domicílio do prestador de serviços.
Porém, após essa sentença foi inserida uma vírgula, seguida de uma lista de 22 hipóteses de exceções nas quais o imposto deve ser recolhido no local da prestação de serviços. Ou seja, ao invés de facilitar, a lei deixou a questão do recolhimento do imposto ainda mais complexa e duvidosa.
Em 2016, a Lei Complementar 157/16 aumentou a lista de exceções para 25, porém não deixou claro quais seriam, de fato, os tomadores de serviços para alguns serviços, como planos de saúde e operadoras de cartão de crédito, deixando a questão ainda mais complexa.
Já a Lei Complementar 175/20 resolveu a questão dos tomadores, definindo como tomador a pessoa física beneficiária para os planos de saúde e, no caso das operadoras de cartões de crédito, os tomadores de serviços são os portadores dos cartões. Contudo, a definição de recolhimento do ISS no local do tomador foi solucionada apenas para as exceções citadas na lei, e não para todos os tipos de serviços.
Solução para os municípios, problema para as empresas?
Embora o recolhimento do imposto no local dos tomadores de serviços pareça ser o mais justo para a distribuição de recursos entre os municípios, do ponto de vista das empresas, esse método de recolhimento pode ser um verdadeiro pesadelo.
Apesar do Sistema Público de Escrituração Digital (o SPED), com a Nota Fiscal Eletrônica (NFe) e a Escrituração Fiscal Digital (EFD) já estarem implementadas para outros impostos, como o ICMS e IPI, para as operações de venda de produtos e mercadorias, esses programas ainda não são aplicáveis para as operações de prestação de serviços, que ainda estão em fase de projeto. Atualmente, cada prefeitura tem os seus próprios modelos de nota fiscal eletrônica de serviços e obrigações acessórias.
Diante de um cenário com mais de cinco mil municípios, cada qual com suas próprias legislações, alíquotas e sistemas para entrega de obrigações acessórias, empresas com capilaridade de nível nacional, como o caso de operadoras de cartão de crédito e operadoras de planos de saúde, necessitariam implementar departamentos fiscais robustos, além do auxílio de empresas de consultoria tributária especializadas para poder cumprir o exigido na LC 175/20, tanto para recolhimento dos impostos como para a entrega de obrigações acessórias.
De forma inovadora, a LC 175/20 introduziu uma proposta de criação de uma obrigação acessória padronizada para a escrituração e apuração do ISS para todos os municípios, o que permitirá que todas as informações de prestação de serviços sejam apresentadas de forma unificada e centralizada. Esse projeto ainda será implementado pelo Grupo Técnico do Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISSQN instituído pela Lei, mas já é um bom sinal.
Uma longa jornada a seguir
Apesar de ser um tributo de apuração relativamente simples, tendo como fato gerador a prestação de serviços, o ISS ainda é um imposto que precisa ser mais bem regulamentado.
Como vimos, a legislação atual não é igualitária entre os Entes Federados, beneficiando municípios maiores em detrimento dos menores. Também permite que Prefeituras entrem em uma guerra fiscal para que as empresas se instalem em seu território para que possam usufruir dos impostos gerados, por serem o seu local de domicílio.
Além disso, em um país continental, a apuração desse imposto gera um alto custo administrativo para as empresas, com cada município tendo a sua própria regulamentação.
Ainda há uma longa jornada a percorrer para que o ISS seja um imposto mais justo para os municípios e mais simples de ser apurado para as empresas. Felizmente, a LC 175/20 sinaliza um avanço na direção do que já temos para outros impostos como o ICMS e o IPI, com a criação de uma obrigação acessória padronizada e unificada para o ISS.
Se tiver dúvidas ou quiser fazer suas considerações, deixe seu comentário ou escreva diretamente para o autor: luistiago@vamosescrever.com.br
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