Primeiramente cumpre destacar que até o atual momento havia uma posição consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarando a ilegalidade da IN 327/2003, na qual previa a inclusão das despesas com descarga da mercadoria, já no território nacional, com o conceito de valor aduaneiro, para fins de incidência do Imposto de Importação.
Isso porque, nos termos do artigo 40, § 1º, inciso I, da atual Lei dos Portos (Lei 12.815/2013), o trabalho portuário de capatazia é definido como “atividade de movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário”.
Por anos foi considerado que de igual forma que o Valor Aduaneiro deve ser composto nos termos do artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT de 1994 trouxe diversas definições para o comércio internacional, e, sendo uma delas a definição de valor aduaneiro.
O Decreto Legislativo, número 30/1994, aprovou a ata final que incorpora os resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais do GATT, assinada em Marraquexe em 12/04/1994 e ratificada em 21 de dezembro de 1994, sendo publicada por meio do Decreto número 1.355/94.
Em dezembro de 2002, foi expedido o Decreto número 4.543 (redação alterada pelo Decreto número 6.759/09),regulamentando as atividades aduaneiras e a tributação das operações de comércio exterior que assevera em seu artigo 77.
No § 3º do artigo 4º da IN 327/03, a Receita Federal determina que:
Art. 4º – Na determinação do valor aduaneiro independentemente do método de valoração aduaneira utilizado, serão incluídos os seguintes elementos:
I – o custo de transporte das mercadorias importadas até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro;
II – os gastos relativos a carga, descarga e manuseio associados ao transporte das mercadorias importadas, até a chegada aos locais referidos no inciso anterior; e
III – (…)
- 1º – (…)§ 2º – (…)
- 3º – Para os efeitos do inciso II, os gastos relativos à descarga da mercadoria do veículo de transporte internacional no território nacional serão incluídos no valor aduaneiro, independentemente da responsabilidade pelo ônus financeiro e da denominação adotada.”
Deve-se ainda levar em consideração os preceitos do artigo 98 do CTN, o qual nos informar que os tratados e convenções internacionais são materialmente leis internas e, no caso específico do GATT, norma de direito privado, de modo que a inclusão das despesas incorridas após a chegada do navio, tais como descarregamento e manuseio da mercadoria (capatazia) não deverão integrar o conceito de “Valor Aduaneiro”, para fins de composição da base de cálculo do Imposto de Importação, por se tratarem de despesas incorridas após a chegada da mercadoria até o porto ou aeroporto alfandegado de descarga ou ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro.
Essa majoração da base de cálculo,introduzida pela IN SRF 327/03, violava o artigo 110 do CTN, devendo o mesmo ser modificado para estar de acordo com as normas e preceitos já editados no Direito Tributário.
No entanto, no Brasil reina a insegurança jurídica. Em meados de março de 2020, o STJ alterou totalmente seu entendimento, afetando inclusive o tema à sistemática dos recursos repetitivos e passou a seguir o entendimento de que os serviços de capatazia devem ser incluídos na composição do valor aduaneiro.
1. Do novo entendimento do STJ
Como informamos, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, sob o rito dos recursos repetitivos, que os serviços de capatazia – movimentação de mercadorias nos portos, como carregamento e descarregamento – devem ser incluídos na base de cálculo do Imposto de Importação.
O relevante tema foi julgado e inserido no sistema dos repetitivos como Tema 1.014. Deve servir de base para os julgamentos pendentes sobre o tema.
Segundo o novo entendimento – alterado após anos em sentido contrário e definida pelos ministros -, a composição do valor aduaneiro inclui os serviços de capatazia, sendo que estes integram a base de cálculo do Imposto de Importação.
De acordo com o ministro Francisco Falcão – cujo voto prevaleceu no julgamento –, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) estabelece normas para a determinação de valor para fins alfandegários, prevendo a inclusão no valor aduaneiro dos gastos relativos à carga, descarga e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação.
Em seu voto, o Ministro lembrou que tais serviços integram a atividade de capatazia, de acordo com a Lei 12.815/2013. A Receita Federal editou instrução normativa explicitando que eles devem fazer parte do valor aduaneiro.
2. Efeitos da decisão: os recursos repetitivos
Em relação aos efeitos e impactos da nova decisão do STJ, destacamos que o Código de Processo Civil CPC/2015 regula, no artigo 1.036 e nos seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas.
Conforme previsto nos artigos 121-A do Regimento Interno do STJ e 927 do CPC, a definição da tese pelo STJ vai servir de orientação às instâncias ordinárias da Justiça, inclusive aos juizados especiais, para a solução de casos fundados na mesma questão jurídica.
A tese estabelecida em repetitivo também terá importante reflexo na admissibilidade de recursos para o STJ e em outras situações processuais, como a tutela da evidência (artigo 311, II, do CPC) e a improcedência liminar do pedido (artigo 332 do CPC).
3. Do mérito do tema em debate
O Acordo de Valoração Aduaneiro e o Decreto 6.759/09, ao mencionar os gastos a serem computados no valor aduaneiro, referem-se às despesas com carga, descarga e manuseio das mercadorias importadas até o porto alfandegado. Já Instrução Normativa 327/2003 se refere a valores relativos à descarga das mercadorias importadas em território nacional.
A Instrução Normativa 327/03 da SRF, ao permitir em seu artigo 4º, § 3º, que se computem os gastos com descarga da mercadoria no território nacional, no valor aduaneiro, desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto 6.759/09, tendo em vista que a realização de tais procedimentos de movimentação de mercadorias ocorre apenas após a chegada da embarcação, ou seja, após a sua chegada ao porto alfandegado.
Na decisão do STJ, que alterou o entendimento anteriormente consolidado, foi justificado que tais serviços integram a atividade de capatazia conforme a definição acima referida e integram o conceito de valor aduaneiro, tendo em vista que tais atividades são realizadas dentro do porto ou ponto de fronteira alfandegado na entrada do território aduaneiro.
Apesar de tal entendimento ser superado pela atual jurisprudência do STJ devido à alteração do julgamento, a discussão não está encerrada e poderá ser objeto de questionamento junto ao Supremo Tribunal Federal.
4. Da possibilidade de julgamento pelo STF
A decisão do STJ cria enorme insegurança jurídica e julga, com o devido respeito, de forma inadequada o relevante tema do Comércio Exterior Brasileiro.
É importante trazer estudos acerca do verdadeiro conceito de valor aduaneiro, no qual o STF ponderou que o adotado pela Constituição Federal – considerando a internalização das normas internacionais a respeito do tema – é exatamente o definido no AVA, ou seja, o previsto no seu art. 7º (Normas sobre Valoração Aduaneira).
Desta forma, se partirmos para análise do disposto sob a ótica das normas de valoração aduaneira, não resta dúvida que qualquer despesa com serviços de capatazia, incorrida com o descarregamento e manuseio das mercadorias no porto de destino após a chegada das mercadorias importadas no Brasil, não pode ser incluída no valor aduaneiro.
A simples leitura no AVA deixa claro que apenas as despesas com carga, descarga e manuseio das mercadorias importadas até o porto alfandegado poderão ser computadas no valor aduaneiro – entendimento que, ao final, restou consolidado pelo STF.
Voltando a discussão inicial, a Receita Federal do Brasil (RFB) editou a Instrução Normativa nº 327/03 (IN 327/03), que estabelece normas e procedimentos para a declaração e o controle do valor aduaneiro de mercadoria importada e insere no valor aduaneiro os gastos relativos a carga, descarga e manuseio associados ao transporte das mercadorias importadas no território nacional, ratificada pela alteração de entendimento do STJ mencionada.
A alteração do entendimento consolidado pelo STJ acaba contrariando o conceito de valor aduaneiro e entendimentos do STF.
Por essa razão que o tema não está definido. Cabe aos operadores do comércio exterior, atingidos pela alteração de entendimento do STJ, a busca da tutela jurisdicional junto ao guardião da nossa Constituição, em razão do que dispõe o artigo 153, I, da CF/88 e o AVA.
Fato semelhante é visto no caso envolvendo a polêmica questão da inexigibilidade do IPI na revenda de mercadorias Importadas.
Após anos de debate e estando o tema consolidado a favor do contribuinte, o mesmo STJ alterou o entendimento e usando o mesmo modus operandi, decidiu pela possibilidade e pelo rito dos recursos repetitivos que o IPI deveria incidir novamente na saída das mercadorias importadas, mesmo que não houvesse processo de industrialização e não havendo novo fato gerador do IPI. Tudo se repete agora com a Capatazia.
Portanto, da mesma forma que a discussão do IPI se encontra no STF inclusive com voto favorável do relator pela impossibilidade de cobrança após mudança de entendimento anterior do STJ, entendemos que o STF vai restabelecer a impossibilidade de inserir as despesas com capatazia na base do Imposto de Importação, trazendo de volta a correta aplicação dos tratados internacionais e segurança jurídica nas relações de comércio exterior.
Se você tiver dúvidas ou deseja fazer suas considerações,comente aqui ou escreva diretamente para o autor: augustofauvel@vamosescrever.com.br .
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