Frequentemente é possível perceber que muitos operadores do direito ainda se confundem em relação aos conceitos de imunidade e de isenção tributária. Mesmo que, à primeira vista, pareçam ser similares, é preciso ressaltar que são figuras contrastantes. Suas consequências prático-econômicas diretas podem apresentar certa semelhança, como o não pagamento de suposta carga tributária, porém, outros aspectos jurídicos provam a total diferença entre essas duas figuras.
Dessa forma, visando construir um texto informativo que concilie conhecimentos técnicos a uma linguagem mais acessível, este breve artigo abordará os principais aspectos que diferenciam esses dois institutos jurídicos e, principalmente, quais são as consequências mais relevantes dessa diferenciação. Inicialmente, é preciso destacar que essa temática é foco de várias discussões doutrinárias, entretanto, tendo em vista o propósito do texto, serão tratados apenas os fundamentos essenciais.
Principais fundamentos
Para iniciar a discussão, é preciso revisar alguns conceitos que são fundamentais para a completa compreensão do tema. Um desses temas base é o estudo da competência tributária no ordenamento jurídico brasileiro. Sendo atribuição do texto constitucional, a competência tributária é o poder estatal (também chamado de poder fiscal) concedido a um ente político para instituir tributo, conforme os ditames constitucionais1. O poder constituinte, no momento da edição da Carta Magna ou por meio de emendas à Constituição, fixa os limites de atuação na seara tributária dos entes estatais que compõem a Federação.
A competência tributária é a base ou o primeiro passo para surgimento da figura do tributo. Logo, caso não haja previsão constitucional de competência tributária para, por exemplo, instituição de imposto sobre locação de bens móveis, esse não prosperará no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que é inconstitucional. Da breve análise da competência tributária, podemos perceber que a tributação como um todo está diretamente vinculada aos contornos constitucionais determinados pelo Poder Constituinte.
Diante desse campo de incidência proporcionado pelas competências tributárias constitucionalmente elencadas, a edição de qualquer restrição à regra de tributação pelo próprio constituinte ou pelo legislador infraconstitucional resultará na retirada de hipótese que, em teoria, seria cabível de tributação. Essas situações que representam um apontamento expresso feito pelo ente político, no sentido de desoneração fiscal de fato específico que seria tributada, podem ser feitas por diversos meios, como imunidades ou isenções.
Principais fatores de diferenciação
Texto jurídico
Mas o que é determinante para a utilização de uma terminologia ou outra? De maneira objetiva, a principal diferença entre essas duas situações de desoneração fiscal é o texto jurídico no qual está prevista tal determinação. São chamadas de imunidades as desonerações fiscais que estão previstas no texto constitucional. Essa previsão aloca as imunidades como verdadeiras limitações ao poder de tributar.
Vale ressaltar que, mesmo que o constituinte tenha utilizado terminologias que remetem a normas isencionais (como no § 7º do Art. 195, “são isentas”), é entendimento pacífico do STF que todas as hipóteses de desoneração fiscal constantes no texto constitucional são hipóteses de imunidade. Acesse o link das decisões aqui .
Em contrapartida, as desonerações fiscais serão denominadas de “isenção” quando estiverem previstas nas legislações infraconstitucionais. Dessa forma, o primeiro aspecto que deve ficar claro é que a imunidade e a isenção se diferenciam quanto ao texto jurídico que as prevêem, gerando diversos efeitos práticos muito relevantes no cotidiano jurídico. Assim, a fim de focar nos aspectos principais dessa temática, não se pode deixar de mencionar a força jurídica e a estabilidade que esses dois institutos possuem.
Força jurídica e estabilidade da desoneração
Sendo a imunidade uma desoneração constante no texto constitucional, à primeira vista, sua modificação pode ocorrer apenas através de alteração da Carta Magna por emenda à Constituição. A afirmação não está incorreta, mas omite um aspecto muito relevante: com base no entendimento consolidado do Poder Judiciário e da doutrina, as imunidades tributárias que visam a efetivar direitos e garantias fundamentais são consideradas como cláusulas pétreas, possuindo, assim, estabilidade jurídica no sentido de não poderem ser suprimidas pelo Poder Constituinte Derivado.
Dessa forma, as imunidades somente podem ser modificadas através de emenda à Constituição e essa modificação apenas poderá ser em prol de sua ampliação ou aperfeiçoamento, e nunca para sua redução ou retirada do ordenamento jurídico. Tal efeito prático é extraordinário, uma vez que concede às imunidades tributárias protetivas de direitos e garantias fundamentais proteção de forma a somente poderem ser suprimidas com a promulgação de uma nova Constituição, possuindo, portanto, absoluta estabilidade.
No caso das isenções, já previstas nas disposições infraconstitucionais, é possível presumir que tais desonerações não gozem de tanta estabilidade igual às imunidades. As isenções são decisões ou liberalidades tomadas pelo legislador ordinário que busca socorrer determinadas situações fático-jurídicas dos contribuintes em prol da concretização do princípio da capacidade contributiva ou de objetivo socioeconômico específico. Então, respeitados os princípios da legalidade estrita e das anterioridades, as isenções podem ser revertidas por decisão discricionária do ente estatal.
Incidência tributária
O próximo aspecto que se analisará para diferenciar esses dois institutos é a ocorrência ou não incidência tributária. Quanto à imunidade, parte majoritária da doutrina entende que ela simboliza situação de não incidência tributária, pois, para essa maioria, as hipóteses de imunidades nunca fizeram parte do campo de incidência delineado pelo texto constitucional. Alguns doutrinadores classificam a imunidade como uma hipótese de não competência tributária, uma vez que a regra matriz tributária nunca poderia ter sido estruturada pelo legislador e, consequentemente, qualquer situação fática relacionada não poderia ser considerada fato gerador de tributo.
Já no caso da isenção, com base no atual entendimento do STF, trata-se de hipótese incidência que, por liberalidade do legislador, há uma desoneração de tal obrigação tributária, excluindo crédito tributário que tradicionalmente seria devido. A análise do Art. 175 do Código Tributário Nacional comprova essa conclusão, tendo em vista que prevê a isenção como hipótese de exclusão de crédito tributário. Logo, com base nas disposições do CTN, o crédito tributário que se constitui por determinação legal é excluído.
Os efeitos práticos da classificação da isenção como hipótese de incidência ou não incidência são expressivos: caso seja considerada como hipótese de incidência, ela pode ser revogada e seus efeitos serão imediatos; caso a isenção seja classificada com hipótese de não incidência, sua alteração deverá respeitar o prazo de, pelo menos, 90 dias de anterioridade (quando não se tratar dos casos excepcionais de tributos expressamente apontados pelo texto constitucional), pois será tratada como se fosse uma nova instituição tributária.
Restrição territorial
Finalizando os principais aspectos que diferenciam as figuras jurídicas da imunidade e da isenção, vale mencionar que elas se diferem quanto à possibilidade de restrição territorial de sua aplicação. Sendo as imunidades garantias fundamentais dos contribuintes, não é possível que tais desonerações sejam limitadas quanto ao aspecto territorial do tributo.
Tratando de obrigações tributárias oriundas do território nacional, configurados os requisitos exigidos para usufruto da garantia fundamental da imunidade, este direito não pode ser restrito em função de localidade territorial.
Já em relação à isenção, tal desoneração fiscal pode ser estruturada de forma diversa, sendo possibilitada, conforme § único do Art. 176 do CTN, a sua restrição de abrangência em função das condições a ela peculiares. Por exemplo, é possível que o ente estatal proceda com isenção específica de tributo em favor de contribuintes que tenham sofrido prejuízos econômicos ocasionados por desastre ambiental que afetou determinada localidade, como o desastre de Mariana.
Conclusão
Tendo em vista o que foi exposto ao longo do texto, pode-se perceber que o tema possui uma infinidade de aspectos jurídicos que renderiam longas dissertações. Além disso, uma análise apressada poderia facilmente enganar o operador do direito no sentido de confundir as duas figuras centrais deste estudo.
Conforme demonstrado, as diferenças que caracterizam cada hipótese de desoneração fiscal expõem reais consequências práticas que são determinantes para a correta aplicação do direito. Dessa forma, nunca se esqueça que, por mais similares que pareçam esses dois institutos jurídicos, imunidades e isenções tributárias não são a mesma coisa.
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