Desde a aprovação da Reforma Tributária, acompanho de perto os avanços e as minutas de regulamentação, bem como os debates no meio técnico. Entre os temas que mais gera dúvidas, temos: Crédito, não apenas pela mudança estrutural que representa, mas pelos impactos profundos que trará para a gestão tributária das empresas brasileiras.
Neste post vamos explicar como ficará o crédito na Reforma Tributária. Continue lendo.
O sistema atual: o crédito físico e suas limitações
Atualmente, vivemos em um modelo de apuração de tributos sobre o consumo bastante complexo, marcado por inúmeras exceções, regimes especiais e, principalmente, pela lógica do crédito fiscal acompanhando pelo regime de competência, sem considerar a liquidação financeira.
Em nosso modelo atual de creditamento, há permissão dos créditos de tributos como ICMS, PIS e Cofins somente quando possuem vínculo direto à atividade produtiva ou então à prestação de serviços da empresa. Ou seja, para que uma empresa aproveite o crédito, é preciso provar que aquele insumo é essencial ao processo produtivo.
Na prática, isso gera:
- Insegurança jurídica constante, devido entendimentos diferentes sobre conceito de insumo;
- Restrição ao aproveitamento de alguns créditos considerados relevantes;
- Controvérsias com o fisco, inclusive judicializadas;
- Um sistema de apuração fragmentado, que penaliza a eficiência e a transparência.
É justamente neste ponto que a lógica do crédito financeiro propõe uma verdadeira virada de chave em nossos processos fiscais e tributários.
O que é o crédito financeiro?
O crédito financeiro parte de uma lógica mais ampla. Com inspiração em sistemas tributários internacionais (como por exemplo o IVA europeu), ele permite o aproveitamento de créditos de tributos sobre todas as aquisições que a empresa realiza, a partir da liquidação financeira
Quais os impactos práticos para as empresas?
Ampliação do direito ao crédito
O maior impacto positivo está na ampliação do direito ao crédito. Isso traz neutralidade tributária, bem como menos distorções econômicas.
Empresas que hoje têm dificuldade para aproveitar créditos, como aquelas prestadoras de serviços ou então que atuam em setores com alta carga indireta, devem se beneficiar significativamente.
Simplificação da apuração
Apesar da complexidade inicial da transição, a tendência é que, a médio e longo prazo, o sistema se torne mais transparente e simples de apurar. A ideia central é acabar com discussões subjetivas sobre essencialidade e permitir assim uma lógica objetiva.
Mas há desafios relevantes
A transição da reforma tributária e a possibilidade do crédito tributário vinculado à liquidação financeira exigirá uma grande transformação nas estruturas empresariais e na cultura fiscal:
Revisão de processos
Será necessário revisar toda a lógica atual de classificação e controle de insumos, adaptando os sistemas ERP para dessa forma refletir corretamente o novo modelo. Departamentos fiscais, contábeis e de compras precisarão atuar em sinergia.
Atualização de sistemas
O uso de tecnologia fiscal (Tax Tech) será essencial. Ferramentas de automação, parametrização e controle de créditos terão papel estratégico para garantir apurações corretas e aproveitamento seguro dos valores pagos.
Capacitação das equipes
É tempo de investir em treinamento contínuo, especialmente para quem trabalha diretamente com apuração de tributos, escrituração fiscal e elaboração de obrigações acessórias. A lógica muda, e com ela, a postura do profissional tributário também precisa evoluir.
Compreensão da regulamentação
A regulamentação do IBS e da CBS ainda está em construção. Muitas regras, exceções e limites dependerão de leis complementares. O papel do profissional será, portanto, interpretar, monitorar atualizações e adaptar os processos constantemente.
Setores que mais serão impactados
Nem todos os setores sentirão os efeitos do crédito financeiro da mesma forma. Abaixo, destaco alguns exemplos:
Indústria
A indústria já utiliza muitos créditos na lógica atual, contudo, pode se beneficiar da ampliação dos créditos sobre serviços, manutenção, transporte e despesas indiretas que antes não eram permitidas.
Saúde e educação
Instituições de ensino e hospitais, que muitas vezes são imunes ou isentos e, portanto, não conseguem aproveitar créditos (sofrendo com a cumulatividade), poderão ter mais clareza nas regras de compensação. Isto desde que sejam contribuintes do novo sistema, aderindo também aos regimes diferenciados.
Setor de serviços
Este é o setor que mais pode ganhar com a lógica do crédito financeiro. Hoje, prestadores de serviços têm pouca margem de crédito tributário, o que impacta a carga tributária final, e com a reforma tributária, haverá possibilidade de compensar tributos recolhidos na operação.
Segurança jurídica e litígios fiscais
Um ponto que vale reforçar é que o novo modelo traz mais previsibilidade. Ao tirar do centro da discussão a “essencialidade” e colocar em seu lugar critérios objetivos (houve pagamento de tributo? Há nota fiscal? Está no curso da atividade?), o sistema reduz assim o campo de interpretações subjetivas.
Isso pode resultar em:
- Redução de litígios com o fisco;
- Menor dependência de decisões judiciais para garantir créditos;
- Ambiente mais seguro para investimentos.
Oportunidade para os profissionais da área fiscal
Como especialista em gestão tributária, vejo essa mudança não apenas como um desafio, mas como uma oportunidade rara.
Estamos diante de uma das maiores transformações da história tributária brasileira, e o papel do profissional fiscal, contábil e jurídico é essencial para:
- Liderar a transição com conhecimento e estratégia;
- Orientar as empresas com responsabilidade e segurança;
- Promover uma cultura de conformidade e eficiência fiscal.
Neste momento, mais do que saber “o que mudou”, precisamos entender como aplicar, como orientar e como transformar essa mudança em valor para os negócios.
O que as empresas devem fazer agora?
- Mapear todas as despesas e aquisições atuais identificando quais ainda não geram créditos e qual será o impacto com a nova lógica;
- Avaliar os sistemas e ERPs, entender se estão prontos para as mudanças e, então, buscar parceiros tecnológicos que apoiem na automação;
- Criar planos de capacitação para os times fiscais especialmente para leitura e interpretação da nova legislação;
- Estabelecer um comitê de transição tributária para acompanhar a regulamentação, validar estratégias e assim garantir alinhamento entre áreas;
- Monitorar a regulamentação a aprovação da PEC foi o início; agora temos um calendário legislativo extenso para acompanhar.
E o que ainda precisa ser definido?
Embora o conceito de crédito financeiro esteja claro na Constituição Federal após a Emenda Constitucional 132/2023 e a Lei Complementar 214/2025, sua aplicação prática dependerá da regulamentação das leis complementares.
Alguns pontos que ainda geram dúvidas e precisarão de definição, essas questões serão fundamentais para dar efetividade ao novo modelo. Por isso, é essencial acompanhar o avanço da regulamentação com atenção redobrada.
Um novo tempo para a gestão tributária
O crédito financeiro, pilar da Reforma Tributária, representa uma mudança de paradigma.
Saímos de um modelo altamente subjetivo e restritivo para uma lógica mais moderna, que reconhece a complexidade do mundo dos negócios e busca neutralidade na tributação sobre o consumo.
Mas isso não acontecerá da noite para o dia. Será uma transição longa, desafiadora e cheia de decisões estratégicas.
Para nós, profissionais da área fiscal, o momento é único. É tempo de:
- Estudar profundamente;
- Estar presente nas decisões das empresas;
- Promover a transformação com clareza, estratégia e segurança.
Conclusão
A transição com possibilidade do crédito atribuído à liquidação financeira, no contexto da Reforma Tributária, marca uma das mais significativas mudanças no sistema de apuração e compensação de tributos do Brasil. Trata-se de uma ruptura com práticas consolidadas, que exige do profissional tributário domínio técnico, bem como visão estratégica e capacidade de adaptação.
Mais do que um desafio, estamos diante de uma oportunidade de modernização da nossa estrutura fiscal, com ganhos reais em transparência, isonomia e racionalidade tributária. Contudo, para que esses benefícios se concretizem, será essencial o protagonismo da área fiscal e contábil na condução desse processo.
Isso inclui treinar equipes, revisar políticas internas, fortalecer o compliance e, sobretudo, atuar como agente de transformação dentro das organizações. Cada empresa terá suas particularidades, e o olhar atento do tributarista será indispensável para interpretar, aplicar e operacionalizar o novo modelo com segurança e inteligência.
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