A discussão sobre a reforma tributária brasileira e suas atualizações atravessa décadas, refletindo a complexidade de um sistema que, apesar de estruturado sobre princípios constitucionais sólidos, acumulou distorções, sobreposições e entraves ao longo do tempo.
Em 2025, o tema voltou ao centro da agenda política e econômica do país com o avanço das regulamentações complementares à Emenda Constitucional nº 132/2023, que teve aprovação no final de 2023 e promulgação em 2024.
As recentes movimentações legislativas buscam detalhar o funcionamento do novo sistema tributário sobre o consumo, ancorado nos pilares da simplicidade, neutralidade, transparência e equidade.
A presente análise objetiva esclarecer as principais mudanças que promove a reforma tributária, bem como sistematizar as últimas atualizações legislativas que ocorreram até o primeiro semestre de 2025.
Além disso, iremos refletir sobre os seus potenciais impactos para as empresas brasileiras, sem emitir juízos de valor, mas apresentando um panorama fático, útil tanto para profissionais da contabilidade quanto para decisores empresariais.
O que muda com a Reforma Tributária?
A reforma tributária de 2023/2024, cujas regulamentações continuam em pauta ao longo de 2025, promove uma substituição estrutural da tributação sobre o consumo no Brasil.
O modelo anterior, fragmentado entre tributos federais, estaduais e municipais com regimes e bases de cálculo diversas (PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS), passa a ser substituído por um sistema dual composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Municípios e estados serão os responsáveis pela gestão do IBS, enquanto a CBS ficará a cargo da União. Ambos os tributos terão uma base ampla, incidindo sobre bens, serviços e direitos, de forma não cumulativa e com crédito financeiro pleno. Essa estrutura busca reduzir a guerra fiscal e promover assim maior eficiência econômica.
Ademais, a reforma também prevê a criação do Imposto Seletivo (IS), de competência federal. Com finalidade extrafiscal, incidirá sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Outras inovações importantes que as atualizações da Reforma Tributária incluem, são:
- Instituição do “cashback” para populações de baixa renda;
- Transição gradual entre o modelo atual e o novo, que se estenderá até 2032;
- Uniformização da legislação tributária do consumo;
- Criação de um Comitê Gestor do IBS;
- Centralização da arrecadação com posterior redistribuição conforme critérios constitucionais;
- Possibilidade de simplificação da contabilidade fiscal para pequenas empresas.
Com essa nova arquitetura, o modelo brasileiro se aproxima de padrões internacionais de IVA (Imposto sobre Valor Agregado), ainda que com especificidades próprias ao federalismo fiscal brasileiro.
Últimas atualizações da Reforma Tributária
Em 2025, o foco do processo reformista volta-se à regulamentação infraconstitucional. Projetos de lei complementar têm sido apresentados para viabilizar a operacionalização da reforma. A seguir, destacam-se as principais atualizações normativas e institucionais em curso:
Códigos, tabelas e validação em tempo real
Uma das grandes inovações práticas é a criação de códigos específicos de classificação tributária o cCLASStrib vinculados obrigatoriamente aos Códigos de Situação Tributária – CST.
Esses códigos tornam o documento fiscal eletrônico DF-e uma peça muito mais descritiva informando não apenas valores, mas o exato enquadramento jurídico da operação. É um salto em rastreabilidade, que coloca Brasil em sintonia com práticas de compliance digital já consolidadas na União Europeia e américa central.
Exemplo direto:
Uma venda de mercadoria nacional, com redução de base de cálculo para determinada região incentivada, exigirá:
- Selecionar o cCLASStrib que indique operação incentivada;
- Vincular o CST que mostre a redução correta;
- Declarar o percentual de redução;
- Gerar o DF-e com campos preenchidos para IBS, CBS e eventual Imposto Seletivo.
Se qualquer campo for incompatível, o documento será rejeitado em tempo real, dessa forma impedindo emissão, faturamento e expedição.
As três tabelas
Para evitar erros, as empresas deverão dominar e manter atualizadas três tabelas críticas:
1. Tabela de Código de Classificação Tributária (IBS/CBS) – Serve como “dicionário fiscal” para cada tipo de operação — industrialização, revenda, importação, exportação, prestação de serviço etc. Cada cenário operacional exige um código específico.
2. Tabela de Indicadores de CST – Define como a operação será tratada: tributada integralmente, isenta, não incidida, sujeita a redução de base ou então diferimento.
3. Tabela de Classificação de Crédito Presumido – Para setores com regimes especiais, como agronegócio, transporte, energia, saúde e tecnologia, os créditos presumidos ganham mais transparência. A tabela aponta quais operações geram crédito e o percentual aplicável, bem como a forma de apropriação.
PLP do IBS e da CBS
O Projeto de Lei Complementar nº 68/2024, de envio pelo Executivo ao Congresso Nacional, trata da regulamentação do IBS e da CBS. Entre os pontos centrais estão:
- Definição da base de cálculo e alíquotas padrão;
- Lista de bens e serviços com alíquota reduzida ou isenção (cesta básica, medicamentos, educação);
- Regras para o aproveitamento de créditos;
- Mecanismos de ressarcimento para exportadores;
- Disciplinamento da cobrança do tributo por operação;
- Uniformização das obrigações acessórias por meio do Sistema Nacional de Administração Tributária (SNAT).
Além disso, o projeto também detalha o funcionamento do Comitê Gestor do IBS, definindo sua composição, competências e diretrizes para deliberação. A governança compartilhada é um dos pontos centrais para garantir a harmonia federativa na gestão do tributo.
PLP do Imposto Seletivo
Outro ponto de avanço em 2025 é o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, que regulamenta o Imposto Seletivo (IS). A proposta define os produtos sujeitos ao tributo, como cigarros, bebidas alcoólicas e produtos com alto teor de açúcar. Além disso, está em debate a incidência sobre determinados bens minerais.
A alíquota do IS terá definição por lei ordinária, com base em critérios de externalidade negativa. O projeto prevê, ainda, a possibilidade de revisão periódica dos produtos tributados, conforme avanços científicos e ambientais.
Mecanismos de Transição e Compensação Federativa
A regulamentação dos mecanismos de transição entre os sistemas atuais e o novo também vem sendo objeto de projetos em tramitação. Destaca-se a instituição do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, voltado à mitigação dos efeitos da extinção de incentivos regionais, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), por sua vez, terá papel fundamental na equalização das desigualdades regionais, com critérios objetivos de alocação e acompanhamento. Esses mecanismos são essenciais para dessa forma assegurar que a transição ocorra com justiça e previsibilidade para entes subnacionais.
Cashback Tributário e Alíquotas Diferenciadas
Em 2025, os debates sobre o cashback tributário ganharam densidade, com a definição de parâmetros para devolução parcial do imposto às famílias de baixa renda. A proposta está sendo articulada com o Cadastro Único para programas sociais, de modo a garantir a efetiva destinação do benefício.
Além disso, a lei complementar estabelece as condições para aplicação de alíquotas reduzidas para setores essenciais, como educação, saúde, transporte coletivo e dispositivos médicos.
Obrigações Acessórias e Nota Fiscal Padrão Nacional
Avançou em 2025 a proposta de unificação das obrigações acessórias com a criação de um documento fiscal eletrônico nacional. A nota fiscal padrão nacional para o IBS e a CBS visa reduzir custos de conformidade e aumentar a eficiência administrativa. A implementação será gradual, com fases de teste a partir de 2026.
Cronograma: Atenção a cada fase
A Receita Federal, junto aos fiscos estaduais e municipais, já definiu o calendário oficial para migração dos campos e regras:
- Julho a setembro de 2025 🡺Fase de Testes
As empresas podem (e devem) fazer testes reais, emitindo DF-e com os novos campos. É o momento de validar parametrizações de sistemas, checar o comportamento de rejeições e corrigir inconsistências. - Outubro a dezembro de 2025 🡺 Fase de Produção Opcional
Os campos passam a fazer parte dos leiautes oficiais. O preenchimento ainda é opcional, mas quem preencher incorretamente já enfrentará validação automática, ou seja, erros que travam a emissão do documento. - Janeiro de 2026 em diante 🡺 Fase de Obrigatoriedade
A partir de 1º de janeiro, não há mais opção: documentos fiscais só serão aceitos se 100% em conformidade com os novos campos. O não atendimento significa paralisação de emissão e potenciais multas e autuações.
Entenda os impactos da Reforma Tributária em sua empresa
A promulgação da Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta a reforma tributária, introduz mudanças significativas no sistema fiscal brasileiro. A substituição de tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) visa simplificar a tributação sobre o consumo.
Entretanto, essa transição exige atenção especial das empresas, que precisarão adaptar seus processos internos para atender às novas exigências legais.
Mudanças estruturais
O novo modelo tributário adota o princípio do crédito financeiro amplo e não cumulativo, o que implica em mudanças na forma de apuração e compensação de créditos tributários. Além disso, a implementação do princípio do destino na tributação requer ajustes nos sistemas de gestão para correta identificação da origem e destino das operações.
Outro ponto de atenção está relacionado à substituição tributária e regimes especiais, que serão gradualmente revistos ou extintos. Empresas que hoje se beneficiam de alíquotas diferenciadas ou incentivos fiscais regionais precisarão revisar seus modelos de negócio à luz dos novos critérios de neutralidade e uniformidade.
Mudanças nas obrigações acessórias
Além das mudanças estruturais, haverá também alterações nas obrigações acessórias, com unificação de declarações fiscais e digitalização de processos. Dessa forma, será necessário investimento em tecnologia da informação e capacitação de equipes.
Há ainda um aspecto estratégico
Empresas com planejamento tributário com base em benefícios fiscais locais precisarão reavaliar suas operações à luz do novo ambiente federativo. A redução da margem de manobra para incentivos exige uma nova lógica de competitividade que leva em conta eficiência operacional e integração tecnológica.
Para auxiliar as empresas nesse processo de adaptação, a Qive desenvolveu uma ferramenta que gera relatórios personalizados com base no CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) de cada empresa. Essa ferramenta analisa os 544 artigos da Lei Complementar nº 214/2025 e identifica quais dispositivos legais são mais relevantes para o seu negócio, classificando-os como favoráveis, neutros ou desfavoráveis, considerando aspectos como carga tributária, burocracia e riscos jurídicos.
A utilização dessa ferramenta permite que as empresas compreendam de forma clara e objetiva os impactos da reforma tributária em suas operações. Sendo assim, facilitando a tomada de decisões estratégicas e a implementação de medidas necessárias para garantir a conformidade com a nova legislação.
Por que se preparar agora?
A transição não é apenas técnica. Ela atinge contratos, precificação, margem de contribuição, fluxo de caixa e até estratégias comerciais. Alguns pontos de atenção:
- Produtos que tinham cumulatividade (ou isenção parcial) podem ter carga tributária diferente.
- O aproveitamento de créditos muda agora com base no princípio do crédito financeiro, e não apenas físico.
- Alguns setores (como agronegócio e combustíveis) terão regimes especiais de transição, exigindo controle apurado para não perder créditos ou extrapolar limites.
Riscos que exigem monitoramento
- Emissão de notas fiscais rejeitadas pode atrasar faturamento, gerar multas contratuais e perda de receita.
- A falta de compatibilidade entre CST e cCLASStrib abrirá brechas para glosas de crédito, autuações retroativas e questionamentos em auditorias.
- Se os sistemas ERP não estiverem sincronizados com as tabelas mais recentes, erros de classificação ocorrerão em massa.
Como mitigar riscos?
- Auditoria prévia: implante rotinas de auditoria digital para cruzar, em lote, todos os DF-e antes da emissão.
- Treinamento real: capacite não só o time fiscal, mas também compras, vendas, faturamento e TI. Todos devem entender como cada campo afeta a operação.
- Mapeamento de processos: redesenhe fluxos internos para incluir etapas de conferência automática de CST, cCLASStrib e regime de crédito.
- Plano de contingência: prepare procedimentos de contingência para casos de rejeição em série, evitando assim gargalos logísticos.
Impactos por porte e segmento
- Micro e pequenas empresas:
Mesmo optantes pelo Simples Nacional precisarão prestar atenção — pois operações com substituição tributária, diferencial de alíquota e regimes especiais continuarão exigindo correta classificação e campos obrigatórios.
- Empresas de médio e grande porte:
Impacto direto em fluxo de caixa, com créditos presumidos sendo fundamentais para manter margens. Grandes operações de compra e venda exigem sistemas robustos de validação e integração entre setores.
- Setores sensíveis (agronegócio, indústria farmacêutica, combustíveis, telecomunicações):
Exigem atenção redobrada para regimes especiais e compensações de créditos, bem como geração de relatórios detalhados para comprovação.
Conclusão
A reforma tributária em curso em 2025 representa um dos mais significativos processos de reestruturação do sistema fiscal brasileiro desde a Constituição de 1988. Ao substituir um conjunto fragmentado de tributos por um modelo mais racional, busca-se maior eficiência econômica e transparência, bem como segurança jurídica.
As atualizações legislativas da reforma tributária que estão em andamento refletem um esforço de consolidação normativa e operacionalização da nova sistemática. Trata-se de um período de transição que exige acompanhamento atento por parte de empresas, contadores, tributaristas, profissionais do direito e gestores públicos.
Ainda que só possamos mensurar os efeitos concretos ao longo da próxima década, compreender desde já os fundamentos, mecanismos e cronogramas da reforma é essencial para uma atuação preventiva e responsável em face das mudanças que se avizinham.
A efetividade do novo modelo dependerá da capacidade do Estado brasileiro em coordenar a implementação, oferecer segurança jurídica e promover um ambiente regulatório estável, que permita a modernização da atividade econômica e a justa distribuição do esforço fiscal entre os agentes econômicos.
Empresas que se anteciparem ajustando sistemas, revisando tabelas, treinando pessoas e automatizando validações sairão na frente, evitando assim autuações, mantendo fluxo de faturamento e protegendo margens.
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