Você já parou para pensar no que, de fato, significa uma reforma? Em termos simples, reformar é mudar algo para melhor. Pode ser um cômodo da casa, um processo administrativo ou, como no caso que vamos tratar aqui, todo um sistema tributário nacional. E, no Brasil, onde o emaranhado de tributos é motivo constante de reclamações por parte de empresas, contadores e até mesmo cidadãos comuns, a chamada Reforma Tributária tem sido esperada há décadas como uma forma de tornar o sistema mais justo, simples e eficiente.
Neste artigo, você entenderá como funcionam os novos tributos da reforma tributária, quando a CBS e o IBS podem incidir sobre os fundos de investimento, e o que mudou com a recente decisão do Congresso Nacional de retirar os fundos da lista de contribuintes, revertendo o veto presidencial. Tudo isso em uma linguagem acessível, sem abrir mão do rigor técnico necessário para compreender a complexidade do tema.
Mas o que é exatamente a Reforma Tributária?
Estamos falando de uma ampla reestruturação das regras que determinam quanto e como pagamos tributos sobre bens, serviços e outros tipos de consumo. Essa mudança, que está em andamento por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023, substitui cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por dois novos:
- CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços)
- IBS (Imposto sobre Bens e Serviços)
O objetivo? Reduzir a complexidade do sistema e evitar a cobrança em cascata, bem como criar um ambiente mais favorável à economia.
Agora, pense comigo: você investe? Ou então conhece alguém que aplica recursos em fundos de investimento? Se sim, talvez não tenha imaginado que a Reforma Tributária também pode impactar diretamente essas aplicações financeiras. E isso ocorre porque, embora os fundos de investimento não sejam empresas comerciais, eles fazem parte de um ecossistema financeiro regulado. Eles movimentam grandes volumes de recursos e, até aqui, tinham um tratamento tributário próprio.
Os fundos de investimento, como os FIDC, FII, FIP ou fundos de renda fixa e multimercado, são mecanismos pelos quais diversos investidores, pessoas físicas ou jurídicas, aplicam recursos de forma coletiva, confiando sua gestão a profissionais especializados.
Esses veículos são estratégicos para o desenvolvimento econômico, pois canalizam a poupança para investimentos produtivos. Portanto, qualquer mudança nas regras tributárias que os afete pode ter efeitos significativos para o mercado financeiro, para as empresas e para o investidor final, seja ele pequeno ou grande.
É justamente por isso que houve intensa mobilização quando surgiram indícios de que os fundos poderiam passar a não serem contribuintes dos novos tributos, CBS e IBS. Isso levantou questões técnicas, jurídicas e econômicas sobre:
- O que se entende por “prestação de serviço”
- Quem deve pagar tributos
- Quais seriam os impactos práticos dessa incidência no bolso do investidor
Como funcionarão os novos tributos da reforma
Antes de falarmos diretamente sobre a CBS e o IBS, é importante entendermos qual tipo de tributo passa por reforma. A atual Reforma Tributária concentra-se na reestruturação dos impostos sobre o consumo. São tributos que incidem sobre a compra de bens e a contratação de serviços no dia a dia.
Sempre que você adquire um produto em uma loja, compra um alimento, paga por um serviço de streaming ou contrata uma consultoria, está pagando tributos que incidem sobre o consumo, ainda que indiretamente.
No modelo atual, o Brasil possui uma das estruturas mais complexas de tributação sobre consumo do mundo. São diversos tributos federais, estaduais e municipais (PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS). Cada um possui regras próprias, diferentes bases de cálculo, inúmeras exceções e disputas de competência entre entes federativos. Isso gera um cenário de insegurança jurídica, alto custo de conformidade e distorções na economia, afetando desde o pequeno empreendedor até grandes investidores institucionais.
Diante disso, a proposta da Reforma busca substituir esse emaranhado de tributos por dois impostos principais, inspirados no modelo adotado por mais de 170 países: o IVA, Imposto sobre Valor Agregado.
O IVA é um tributo que incide sobre o valor que é agregado em cada etapa da cadeia de produção e comercialização de um bem ou serviço. Ele permite que cada contribuinte aproveite os créditos referentes aos tributos pagos nas etapas anteriores. Isso reduz a cumulatividade (cobrança em cascata), garante mais transparência e torna o sistema mais eficiente e justo.
No Brasil, esse modelo terá adoção por meio de dois novos tributos: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência federal, e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que será compartilhado por estados e municípios. Vamos entender cada um deles.
CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços
A CBS substituirá os tributos federais PIS e Cofins, que hoje incidem sobre a receita bruta das empresas. Ao unificar esses dois impostos, a CBS tem como objetivo reduzir a complexidade e a sobreposição de obrigações, além de criar uma base de cálculo mais clara.
Ela será um tributo do tipo valor agregado. Ou seja, cada empresa poderá descontar da CBS devida os valores pagos nas etapas anteriores da cadeia produtiva. Isso evita a cumulatividade e aproxima o sistema brasileiro de modelos internacionais mais modernos.
A CBS incidirá sobre operações com bens, serviços, direitos e ativos intangíveis, ou seja, seu alcance será bastante amplo. O governo federal estima uma alíquota padrão de 9%, mas essa taxa poderá variar em razão de regimes específicos ou setores incentivados.
Essa nova sistemática promete simplificar obrigações acessórias, como o cumprimento das obrigações via EFD-Contribuições, e facilitar a apuração do crédito tributário. No entanto, também impõe novos desafios, especialmente para setores que operam com regimes diferenciados ou que estão sujeitos a regimes cumulativos atualmente.
IBS – Imposto sobre Bens e Serviços
Já o IBS será o tributo que substituirá os impostos ICMS (estadual) e ISS (municipal), que hoje são responsáveis por grande parte da complexidade do sistema tributário brasileiro. Ambos têm legislações distintas em cada ente federativo, o que cria um verdadeiro labirinto normativo para as empresas que atuam em diferentes estados e municípios.
O IBS também será um imposto do tipo valor agregado. Terá regimento por uma legislação única nacional, embora a gestão das alíquotas continue sob responsabilidade de estados e municípios. A proposta prevê que cada ente federativo definirá sua parcela da alíquota total, que terá aplicação de forma uniforme à base de cálculo.
O funcionamento do IBS trará benefícios como:
- Transparência na incidência tributária, pois o imposto será destacado nas notas fiscais.
- Aproveitamento integral dos créditos fiscais, reduzindo o chamado efeito cascata.
- Neutralidade. A tributação será uniforme entre bens e serviços, evitando assim distorções de mercado.
Vale destacar que, para garantir a transição, o IBS será implementado de forma gradual, com um período de convivência com os tributos atuais. A alíquota final ainda terá defiição por meio de leis complementares, considerando a necessidade de manter a arrecadação dos entes federativos.
Com a CBS e o IBS, o sistema tributário brasileiro dá um passo importante rumo à modernização e à simplificação. No entanto, como veremos a seguir, a aplicação desses tributos aos fundos de investimento gerou intensos debates jurídicos e políticos, especialmente quanto à sua natureza e ao risco de incidência indevida de tributos sobre operações financeiras que, até então, não eram consideradas como consumo.
Como a Reforma Tributária impacta os fundos de investimento?
Em um primeiro momento, havia previsão de que os fundos de investimento passariam a ser contribuintes de IBS e CBS. Isso causaria aumento expressivo na carga tributária e insegurança jurídica quanto à caracterização das suas atividades como prestação de serviços. Essa proposta foi vista como uma ameaça à competitividade e à atratividade do mercado de capitais brasileiro.
A aplicação dos novos tributos sobre fundos de investimento gerou intensas discussões durante o processo legislativo da Reforma Tributária. Isso porque os fundos não se encaixam perfeitamente nos modelos tradicionais de operações com bens e serviços, sendo instrumentos de investimento coletivo que funcionam por meio de cotas.
Com a Reforma Tributária, quando haverá incidência de IBS e CBS sobre fundos de investimento?
Com a promulgação da reforma, os fundos ficaram, inicialmente, sujeitos à tributação pela CBS e IBS sobre as taxas cobradas por seus serviços de gestão, administração, custódia e outros serviços correlatos. A Receita Federal interpretou que tais atividades consistem em prestação de serviços e, portanto, deveriam compor a base de cálculo dos novos tributos.
Contudo, após intensas mobilizações do setor financeiro, o Congresso Nacional derrubou os vetos presidenciais que mantinham os fundos como contribuintes de CBS e IBS. A decisão foi tomada em sessão conjunta realizada em 17 de junho de 2025, conforme noticiado pelo Senado Federal e reforçado por análises jurídicas da Fortes Advogados (2025) e do escritório VBSO (2025).
A retirada dos fundos da lista de não-contribuintes
Inicialmente, a proposta da Reforma Tributária incluía os fundos de investimento entre os não-contribuintes de IBS e CBS, considerando que esses instrumentos não realizam propriamente prestação de serviços ao consumidor final. Contudo, durante a tramitação do Projeto de Lei Complementar (PLP) que regulamenta a reforma, retirou-se essa isenção, sujeitando os fundos à incidência dos tributos.
O veto presidencial nº 14/2025 visava restaurar essa condição de não-contribuintes, mas acabou sendo derrubado pelo Congresso Nacional, numa vitória significativa para o setor financeiro. Com isso, restabeleceu-se a previsão de que fundos de investimento, como FIDC, FIP, FII e fundos abertos ou exclusivos, não devem ser tratados como contribuintes diretos da CBS e do IBS.
A decisão legislativa reconhece a especificidade dos fundos como veículos de investimento e não como prestadores de serviço. Dessa forma preserva-se a neutralidade e evita-se bitributação, protegendo o pequeno e o grande investidor dos efeitos indiretos do aumento de custos.
Conclusão
A Reforma Tributária é um passo importante na modernização do sistema tributário brasileiro. A criação da CBS e do IBS traz avanços em termos de simplificação e eficiência fiscal, mas também suscita desafios para setores como o financeiro, que opera com estruturas jurídicas e econômicas complexas.
No caso dos fundos de investimento, a exclusão da condição de contribuintes diretos da CBS e IBS, reconfirmada com a derrubada dos vetos pelo Congresso Nacional, representa uma medida de equilíbrio e sensatez, evitando distorções no mercado e mantendo o ambiente de investimentos atrativo.
Ainda assim, é essencial que gestores, investidores e consultores jurídicos se mantenham atentos às regulamentações infralegais e à futura interpretação dos órgãos fazendários, especialmente em relação às taxas acessórias dos fundos. O diálogo entre o legislativo, o mercado e a sociedade civil continuará sendo crucial para garantir uma reforma eficaz e justa para todos.
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